Título: Saneamento - andante muito lento
Autor: Josef Barat*
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2005, Economia, p. B2

O saneamento acumula monumentais carências históricas e suas deficiências atingem fortemente os mais pobres. Os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário são determinantes das condições ambientais e de saúde pública. Logo, investir em saneamento significa contribuir para a ampliação da cidadania, a elevação dos padrões de vida e a incorporação mais plena de contingentes marginalizados. O saneamento é, portanto, requisito básico para elevar os níveis de produtividade do trabalho, promover a eficiência econômica e ingressar num novo ciclo sustentado de desenvolvimento. Todavia, com a industrialização acelerada, salvo a década de vigência do Planasa, a prioridade para o saneamento sempre foi secundária em relação às demais infra-estruturas. Após 20 anos de desarticulação institucional, buscam-se ainda mecanismos inovadores de financiamento para o setor e formatar um novo pacto federativo. Infelizmente, os avanços ocorridos em outras infra-estruturas não atingiram o saneamento. As concessões pouco avançaram, há mais de uma década se tenta firmar um modelo de regulação e o quadro institucional permaneceu confuso, com uma sucessão de mudanças por diversos ministérios. Manteve-se a utilização dos recursos oriundos do FGTS como fonte principal, mas em níveis muito aquém das reais necessidades de investimentos. A continuidade de programas e projetos de maior vulto foi assegurada, em grande parte, pelas companhias estaduais.

Diferentemente de outros setores, os serviços de saneamento vêm sendo prestados, tanto por companhias estaduais quanto por municípios, de forma autônoma. Essa característica torna o setor diferenciado em relação às possíveis condicionantes de descentralização, privatização e regulação. Isso porque, a rigor, os três níveis de governo compartilham responsabilidades, portanto, com poderes concedentes supletivos ou "concorrentes". Historicamente sempre coexistiram programas e ações da União, dos Estados e municípios. Aliás, na maioria das unidades federadas, a concessionária estadual é responsável pela quase totalidade da operação dos sistemas de água e esgotos. Em São Paulo, a Sabesp opera em mais da metade dos municípios, o que por si dá outra dimensão à questão da descentralização.

O Ministério das Cidades - hoje o responsável de plantão pela coordenação e formulação da Política Nacional de Saneamento Ambiental (PNSA) - está encaminhando o anteprojeto de lei da PNSA e o projeto de lei sobre consórcios públicos para o reordenamento institucional do setor e a busca de alternativas de financiamento. Apesar da importância da iniciativa, o conteúdo prolixo, associado às ambigüidades contidas na Constituição, não propicia uma visão otimista quanto ao seu desfecho. Isso principalmente em razão das dificuldades em lidar com duas interfaces fundamentais: a dos níveis decisórios (União, Estados e municípios), dados os fortes conflitos na disputa da titularidade; e a intersetorial (saúde pública, meio ambiente e recursos hídricos), dada a tradição setorizada da nossa administração pública.

A realidade não permite depreciar as companhias estaduais de saneamento, que atendem perto de 80 milhões de pessoas em 3.300 municípios. Não se pode, também, negligenciar a implementação de sistemas de gestão das bacias hidrográficas, regiões metropolitanas e conurbações, que transcendem o interesse municipal. Por outro lado, são promissoras as possibilidades de concessão e parcerias, estas envolvendo tanto os níveis de governo como os setores público e privado. Há, também, uma tendência de progressiva descentralização, com reforço de organizações locais ou microrregionais, em detrimento de arranjos institucionais centralizadores, como foi o Planasa. Isso não exime, todavia, nem a União, nem os Estados de atuarem de forma mais incisiva nos âmbitos programático e regulador, nem as empresas estaduais de descentralizarem suas ações e atuarem em parcerias com os municípios. Não se pode afirmar, assim, que haja uma tendência predominante em direção à municipalização, à concessão ou à formação de empresas regionais e consórcios.

Na verdade, a transição conviverá com uma multiplicidade de formas inovadoras de gestão, realizando combinações entre diferentes atores públicos ou privados. Prevalecerá, ao que tudo indica, um "modelo Lego", ou seja, a composição de arranjos institucionais capazes de responder às demandas das formas mais variadas. Portanto, revitalizar modelos baseados em concentração de poder decisório e operacional ou descentralizar sem critério não parece ser desejável nem viável. O importante agora é acelerar o andamento da questão institucional.

*Josef Barat consultor, membro do Conselho de Economia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, é livre-docente pela UFRJ