Título: Juízes reagem a governo no caso dos arquivos
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2005, Nacional, p. A4

Magistrados defendem colega que mandou militares entregarem papéis secretos Inconformados com o fato de o governo ter requerido o afastamento do juiz Paulo Alberto Jorge da condução do processo sobre os arquivos da repressão, os juízes federais deflagraram forte reação e divulgaram nota de repúdio à medida. "Não tem cabimento a pretensão da União", protestam os magistrados. Jorge é juiz federal em Guaratinguetá (SP). Em novembro, ele acolheu liminarmente ação civil da Procuradoria da República e ordenou aos comandos militares que entregassem os documentos secretos relativos ao período de 1964 a 1985. Na ação, o procurador João Gilberto Gonçalves Filho sustenta que o segredo dos generais não encontra amparo na Constituição.

Para explicar o alcance de sua decisão, o juiz Paulo Jorge concedeu entrevistas e é nisso que a Advocacia-Geral da União ampara o pedido de exceção de suspeição apresentado contra Jorge.

O governo alega que o magistrado tem interesse no resultado de ação. "Acabou a época de o juiz falar apenas nos autos", rebate o presidente da Associação dos Juízes Federais, Jorge Antônio Maurique. "O fato de ele (Paulo Jorge) ter explicado à imprensa o conteúdo e implicações de sua decisão deve ser motivo para elogios e não críticas."

Maurique ressalta que seu colega "nada mais fez do que esclarecer o que havia decidido, para melhor compreensão da sociedade, o que não encontra vedação em qualquer diploma legal."

Paulo Jorge rechaçou o pedido do governo e decidiu que vai continuar no comando do processo. "Meu afastamento, sob o fundamento da suspeição, não terá outra conotação senão a da punição na esteira de descarada perseguição política, única forma de satisfazer a sanha daqueles ainda não acostumados com a convivência democrática", asseverou o juiz.

Ele reiterou que não tem qualquer interesse material ou moral no resultado da ação. "Não sou suspeito para a causa. Não tive parente, amigo ou conhecido, próximos ou distantes, vítimas da ditadura e que agora esperam pelas informações mantidas sob sigilo. Não tenho nenhuma questão pessoal com qualquer das autoridades constituídas envolvidas na questão." A ordem de Jorge para que os comandos militares abram os arquivos foi revogada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), que aceitou recurso da AGU. "A decisão que proferi não expressa senão entendimento jurídico acerca do tema, fruto da formação de livre convicção. Não se trata de mero achismo despropositado, no intuito de satisfação de interesses pessoais. Meus únicos compromissos, dos quais nunca abrirei mão, são com a Constituição, com a nação e com minha consciência. Não aceito a acusação de suspeição."