Título: Estatuto da Magistratura deve aumentar sanção contra juízes
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2005, Nacional, p. A4

Atualmente, o máximo que pode acontecer com um magistrado que cometer irregularidade é a aposentadoria remunerada Vem aí o Estatuto da Magistratura, instrumento com poderes para disciplinar e cortar privilégios da toga - como o nepotismo, que predomina em muitos tribunais -, e para regulamentar a emenda 45, que incluiu a reforma do Judiciário no texto da Constituição. O estatuto vai sepultar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), herança do regime militar. Produzida em março de 1979 pelo então presidente Ernesto Geisel e seu ministro da Justiça, Armando Falcão, a Loman contempla os magistrados com muitos benefícios e os protege à sombra de sessões secretas.

Uma dessas vantagens, que agora pode acabar, é relativa à sanção máxima. Na hipótese de um juiz ser acusado de irregularidades no exercício da função a punição mais pesada aplicável a ele é a aposentadoria. Vai para casa, mas com proventos integrais.

O texto do novo código dos magistrados está sendo preparado pelo Supremo Tribunal Federal e será enviado ao Congresso até o fim do mês. O STF detém atribuição exclusiva para essa iniciativa. Na mais alta Corte do País, o relator do estatuto é o ministro Antonio Peluso.

Em 1992, o STF enviou à Câmara o texto do estatuto. Em 2004, após 12 anos engavetado, o documento foi retirado pelo então presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, que alegou a necessidade de alterações. Na época, Corrêa protagonizava uma tensa queda-de-braço com o presidente Lula, que clamou pela abertura da "caixa-preta do Judiciário".

"A lei orgânica é autoritária e se tornou um peso", declara Rodrigo Collaço, que preside a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a mais influente entidade da categoria. "É uma oportunidade perdida, ela não regula pontos importantes. Não abre espaço para a participação efetiva dos juízes no funcionamento do Judiciário."

Collaço defende a valorização do juiz, por meio da fixação de critérios objetivos de merecimento. "É fundamental para evitar o que acontece em muitos tribunais, os apadrinhamentos", destaca. "A lei orgânica não disciplina nada a respeito disso, carreiras feitas sob critérios que muitas vezes não são os melhores. O estatuto é uma oportunidade para que a premiação pelo mérito se estabeleça concretamente."

Para o líder dos magistrados, as novas regras podem motivar a toga. "Num processo de merecimento que tenha condições claras e objetivas a produtividade vai aumentar."

A AMB formou uma comissão que fará sua última reunião amanhã para conclusão de um texto com sugestões que serão levadas ao ministro Nelson Jobim, presidente do STF. Um ponto já está decidido: o fim da contratação de parentes dos juízes. "O nepotismo não é proibido pela Loman", aponta Collaço. "Defendemos que a vedação seja incluída no texto do estatuto. Uma proibição geral nos tribunais. Em alguns Estados já há lei não permitindo a admissão de servidores com grau de parentesco com juízes. Mas temos experiências muito negativas, onde a proibição não existe."

O presidente da AMB acredita que o estatuto vai tornar o Judiciário mais eficiente. "A lei atual não tem nenhum mecanismo que exija planejamento, nem a médio nem a longo prazo. Como a gestão do tribunal é muito curta, o mandato do presidente é de apenas 2 anos, não há tempo para mudanças profundas. Quando o presidente começa a conhecer o tribunal, é deflagrado o processo sucessório. O eleito pode mudar completamente a política que vinha sendo implantada. O planejamento tem que ser de longo prazo. A gente espera que o estatuto seja o veículo para essas mudanças."

O estatuto cuidará da regulamentação da reforma do Judiciário. Para os juízes, o Conselho Nacional de Justiça, aprovado pela emenda 45, deve priorizar a administração dos tribunais. "O que nos preocupa no conselho é que ele não venha a ter um viés punitivo", anota Collaço. "O Judiciário se ressente, acima de tudo, de planejamento nacional, compartilhando as melhores experiências e aplicando as melhores soluções."