Título: Inflação americana volta a dar sinal de vida
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2005, Economia, p. B1

Aumentos de preços registrados no ano passado foram os maiores desde 2000 e devem continuar este ano Ela voltou. Os números não necessariamente a refletem. Os mercados não acreditam. Nem mesmo os especialistas econômicos a vêem chegando. Mas não se engane: a inflação é algo com que se preocupar. O Índice de Preços ao Consumidor subiu 3,3% nos Estados Unidos no ano passado, o maior crescimento desde 2000. Desta vez, o número é de fato o começo de alguma coisa.

Até agora, a sabedoria convencional aparentemente não notou que a inflação está tomando fôlego. Basta olhar o prêmio entre títulos normais do Tesouro americano e títulos indexados à inflação. Ultimamente, os títulos de 10 anos do Tesouro têm rendido cerca de 2,5 pontos porcentuais mais do que os títulos equivalentes atrelados à inflação. Essa diferença é considerada a expectativa dos investidores para a inflação anualizada na próxima década. A mesma resposta - uma média de 2,5% durante os próximos dez anos - foi dada no ano passado por especialistas consultados pelo Federal Reserve da Filadélfia. Pesquisas da Universidade de Michigan mostram que os consumidores americanos esperam uma inflação anualizada de 2,8% nos próximos cinco anos.

Há sinais de uma inflação em alta em todo lugar. Os preços do ouro vêm subindo desde 1999 e provavelmente vão aumentar mais este ano, segundo a previsão de analistas. O preço de imóveis nos EUA sobe há anos e o aumento continuará a superar 2,5% no longo prazo. Os preços da energia e da carne também vão subir nos próximos anos, mesmo que só por causa do aumento da renda global, quase sempre associada ao consumo maior de combustível e proteína. Preços de serviços como planos de saúde e educação superior também devem subir mais de 2,5% ao ano nos EUA.

As matérias-primas vão continuar subindo, graças à crescente demanda da Índia e da China. Considere o aço. Seu principal ingrediente - minério de ferro - deve aumentar de 30% a 50% só em 2005. E o custo do carvão usado na fabricação do aço pode dobrar.

O déficit no orçamento americano também é inflacionário. O escritório de orçamento do Congresso diz que o déficit federal durante o ano fiscal de 2005 alcançará US$ 368 bilhões, sem contar bilhões em gastos militares adicionais pedidos pelo governo Bush e a cara reforma da Seguridade Social que ele está propondo. Falando em tinta vermelha, os déficits gêmeos que estão desvalorizando o dólar no mundo criam inflação nos EUA, porque tornam os produtos importados mais caros, e substitutos domésticos para a maioria dos importados não devem aparecer tão cedo.

Na verdade, a inflação não deveria existir mais. Desde que o ex-presidente do Fed Paul Volcker domou a inflação no início dos anos 80, confia-se num banco central vigilante, que elevará os juros quando ela ameaçar aparecer. Mas elevar os juros tanto quanto Volcker elevou não seria politicamente fácil. Haveria uma recessão e, além disso, uma inflação moderada facilita a administração da dívida pública.

A globalização deveria ter matado a inflação ao sempre transferir a produção para as áreas de menor custo. Mas a globalização também está distribuindo dólares inflacionários pelo mundo.

Até onde vai a inflação? Não espero que cause um choque. Além do mais, uma súbita paz no Oriente Médio ou um colapso econômico na China poderiam desviar o trem da inflação por algum tempo. Ainda assim, este pode ser um bom momento para ignorar a sabedoria coletiva e comprar aqueles títulos do Tesouro indexados à inflação.