Título: Não posso acreditar
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Espaço Aberto, p. A2

Não posso acreditar que os analistas da Abin, daqui por diante, tenham de ser treinados em Cuba, já que o regime comunista de Fidel Castro só poderia oferecer ao serviço de inteligência o que lhe é próprio do despotismo. Já nos basta o reconhecimento automático dos médicos formados na ilha de Fidel Castro, exceção insólita.

Também li que o ministro-chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República - por sinal, a quem é teoricamente subordinada a Abin - teria dito que "até hoje nenhum governo deu atenção à Amazônia". Foi a manchete do Estado de 3 de março corrente, seguida da declaração de Sua Excelência: "Os governos, todos os governos, ao longo do tempo têm ficado ausentes da área" - proferida pelo ministro ao chegar a Altamira, no Pará.

Campos Sales, ao concluir as negociações com a Bolívia, bem-sucedidas graças ao empenho do barão do Rio Branco, assinou o Tratado de Petrópolis, em 1903, que nos garantiu a posse do Acre. Getúlio Vargas, que fundara o Banco da Borracha, criou por decreto de 1943 o Território Federal do Amapá, desmembrado do Pará, de que era um município separado do continente pelo Arquipélago do Marajó. Garantiu o domínio da foz do caudaloso Rio Amazonas. O mestre alemão da geopolítica Haushoffer afirmara que "quem domina a foz domina a bacia". Então a significação geopolítica regional da Amazônia ficava incontrastável em face de qualquer aventura militar de vizinhos, nada obstante a presença quase simbólica dos pelotões de fronteira. Vivíamos a 2.ª Guerra Mundial e o Brasil tinha como preocupação continental a política pró-nazista de Perón, cujas ambições o livro recente do embaixador Sérgio Corrêa da Costa, A Guerra Secreta, prova abundantemente. Natural, pois, que a prioridade estratégica fosse a Bacia do Prata, e não a do Amazonas. Internacionalmente, o seu território rico e despovoado já inspirara ambição, a começar pelo ministro Chandrasekhar, da Índia, que alvitrou até o recurso à guerra no caso de não haver aceitação da emigração do excesso populacional da Ásia para países, como o Brasil, de escassa população e abundante superfície. Sobre isso escreveu o livro Hungry People and Empty Lands.

O fim do ciclo próspero da borracha marcara realmente um longo período de desatenção federal pela Amazônia, mas a Constituição de 1946, devido à emenda de autoria do constituinte amazonense Leopoldo Peres, determinou que a União aplicasse, pelo menos durante 20 anos, 3% da renda tributária nacional na execução do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. O presidente Juscelino cumpriu rigorosamente a norma constitucional, carreando vastos recursos financeiros para a Superintendência do Plano (SPVEA), cujos resultados favoreceram a região, já então constituída, além dos Estados do Pará e do Amazonas, pelos Territórios Federais do Acre, Amapá, Rondônia - então Guaporé - e Roraima - então Rio Branco. A JK ficamos a dever a construção da Rodovia Belém-Brasília, integrando fisicamente a Amazônia ao Brasil e cuja importância é desnecessário enfatizar.

Quando presidente da República, o marechal Castelo Branco mudou de SPVEA para Sudam o nome da superintendência e criou, à semelhança da Sudene, o sistema de incentivos fiscais ainda hoje vigentes, que só não deram melhor resultado para o desenvolvimento da região devido à má aplicação dos recursos ou à corrupção que motivou a extinção das superintendências pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

O marechal Costa e Silva, sendo ministro do Interior o general Albuquerque Lima, criador do Projeto Rondon e do slogan "integrar para não entregar", deu assistência à Amazônia e vida à Suframa, que até hoje é a responsável pela instalação e pelo funcionamento da Zona Franca de Manaus e seu grande parque industrial.

O presidente Médici asfaltou a Belém-Brasília e construiu a Transamazônica, com a finalidade estratégica de ocupar a Amazônia, cuja população era da ordem de 3 habitantes por km2, rocando para ela o excedente populacional do Nordeste. A colonização da rodovia, depois quase abandonada, hoje ultrapassa 1 milhão de pessoas, agricultores e pecuaristas. No seu abandono, tem razão, em parte, o ministro general Félix em falar em ação espasmódica, embora nunca em "ausência da área de todos os governos".

Por sua vez, o presidente Geisel estabeleceu o programa chamado Polamazônia, que deveria reforçar a ocupação humana da Amazônia por meio de pólos centrais que, com grandes projetos concêntricos, levariam a ocupação do centro da bacia para as fronteiras.

Ao presidente Figueiredo coube o desenvolvimento de Carajás, a maior província metalometálica do mundo, administrada pela estatal Companhia Vale do Rio Doce, e a ultimação da Hidrelétrica de Tucuruí, a maior das usinas hidrelétricas brasileiras.

Nem todos os governos, pois, abandonaram a Amazônia, para a qual se voltaram as preocupações das Forças Armadas, para ela transferindo grandes unidades militares adestradas para a sua defesa.

Jarbas Passarinho, ex-presidente da Fundação Milton Campos, foi senador pelo Estado do Pará e ministro de Estado