Título: Reforma e reeleição
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Editorial, p. A3

Segundo reportagem do Jornal do Brasil de quarta-feira passada, o presidente Lula, agastado com as pressões do PT para que substitua por um dos seus o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, do PC do B, com quem está satisfeito, teria dito numa conversa reservada: "Não tenho apego ao cargo. Se acham que estou atrapalhando, volto para casa após o mandato. E vão ter que arrumar um outro candidato para 2006."

Lula não tem a mais remota intenção de "voltar para casa" em 1.º de janeiro de 2007. Se tivesse, não estaria em campanha eleitoral permanente - pois a isso se destinam as suas aparições em eventos públicos produzidos pelo Planalto praticamente à razão de um por dia para que ele possa soltar os improvisos cujos trechos mais "quentes" têm reprodução assegurada nos telejornais noturnos.

É óbvio, portanto, o sentido da suposta ameaça do presidente. Ele e os seus interlocutores - e o País inteiro - sabem que o PT não tem como "arrumar um outro candidato" competitivo para 2006: não teve, por sinal, para nenhuma outra eleição presidencial. É certo, também, que Lula é absolutamente sincero quando diz que seu governo é o melhor que o Brasil já teve. Ele acredita mesmo que é - e até agora, pelo menos, a redução progressiva do número de brasileiros que já não acreditam nisso não é acompanhada de redução proporcional dos seus índices de popularidade.

Isto quer dizer que, desde que os números da produção e do emprego neste ano e no próximo não se afastem dos de 2004 a ponto de Lula não poder festejá-los com a atual exuberância, sua reeleição não será ameaçada. E desde que o PT não meta os pés pelas mãos, como vem fazendo, a ponto de se tornar uma pedra no caminho da reeleição. Hoje - e nisso estão de acordo aliados e opositores do governo - o maior adversário do presidente é o seu partido.

Esse é o pano de fundo da reforma ministerial que Lula vem cozinhando desde novembro. Em parte porque esse é o seu estilo, o mesmo, aliás, que explica o ritmo letárgico de suas decisões administrativas; em parte porque a negociação com os partidos tampouco é o seu forte; e em parte porque realmente não tem pressa, ao contrário dos ministros ameaçados de dispensa, que já não suportam o "suspense", e dos parceiros do "governo de coalizão", ansiosos por chegar lá.

A reforma, repetem os palacianos, se destina a "dar eficiência à máquina e coesão à base de apoio do governo no Congresso". Nem tomando emprestado o apoteótico otimismo dos improvisos de Lula é possível imaginar como ele conseguirá uma coisa ou outra, enquanto continuar premiando a incompetência e fazendo arranjos fisiológicos que por serem o que são e envolver a quem envolvem remetem a almejada coesão para as calendas gregas ou, talvez - quem sabe? -, para um segundo mandato.

Ou não? Para "dar eficiência à máquina", seria preciso uma verdadeira revolução administrativa, que exigiria, além da substituição em massa de ministros, um presidente com visão lúcida de fins e meios - e vocação de governante. Pois o que se tem é uma equipe desarticulada, cujos titulares, na maioria, raramente despacham com o presidente - quando o fazem, é por pouco tempo - e que se dedicam a falar mal uns dos outros.

À falta de um projeto de governo merecedor desse nome e de um presidente que não confunda falar com fazer - carências ao que tudo indica insanáveis -, pouca diferença fará para a qualidade da gestão federal se o ministro A for levado a trocar de lugar ou se o ministro B receber o bilhete azul, no bojo da obsessão presidencial de constituir em torno de sua segunda candidatura uma fronda política de proporções montanhosas.

Já está sacramentada, por exemplo, a ida da senadora Roseana Sarney para o governo. O nome da Pasta - Cidades, Comunicações, Integração Nacional? - é detalhe. A boa nova, talvez a única dessa enfadonha novela, é que o Ministério do Planejamento, sob direção interina desde que o titular Guido Mantega foi para o BNDES, não será negociado na bacia das almas. Se for entregue a um petista, o companheiro terá de merecer a confiança do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Isso que a mídia considera parte do processo de "blindagem de Palocci" deixa claro que, sejam quais forem as críticas que se possam fazer ao administrador ou ao articulador político Lula - o qual, a uma coisa e outra, prefere um palanque cheio e uma platéia de confiança -, ele tem bom senso suficiente para manter nos trilhos a política econômica. Porque, talvez para a sua própria surpresa íntima, ela deu certo. E, tendo dado certo, é a sua plataforma para a reeleição.