Título: N.º 2 do Itamaraty ataca política industrial
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Nacional, p. A13

Polêmico por suas idéias e temido pelo fato de ocupar o segundo posto no Itamaraty, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães mantém uma posição crítica à linha neoliberal e à política industrial adotadas pelo mesmo governo que o cultua como uma espécie de herói. Distribuído para seus amigos e colaboradores por meio da Internet no segundo semestre do ano passado, e ainda em circulação na Esplanada dos Ministérios, o ensaio O Cortiço: População e Desemprego traz sua profecia de que a violência e a informalidade tornarão impossível a lógica capitalista no Brasil. Para fugir a esse destino, receita o diplomata, o País deveria pôr em prática uma política industrial com os objetivos de criar empregos - de preferência, sem qualificação - e impulsionar setores intensivos em mão-de-obra. Também se posiciona contra a flexibilização das leis do trabalho, projeto que o governo Luiz Inácio Lula da Silva ainda não concluiu.

O texto começou a ser distribuído na mesma época da divulgação da nova política industrial do governo Lula, que está centrada no aumento da competitividade dos setores produtivos do País e na atração de investimentos estrangeiros para segmentos de tecnologia de ponta. A geração de empregos foi um dos fundamentos na elaboração da nova política, mas suas premissas estavam assentadas na lógica do desenvolvimento industrial no cenário mundial de elevada competição tecnológica.

"A revisão desse enfoque abstencionista de política tecnológica e industrial e de ativa regressão da legislação de trabalho e de emprego se torna cada vez mais urgente", enfatiza ele. "(...) Caso contrário, ainda que setores específicos do sistema industrial possam vir a atingir altos níveis de competitividade e que segmentos restritos da sociedade possam vir a alcançar altos níveis de renda, a situação social pode vir a ser de tal natureza que a própria essência do capitalismo, que é a possibilidade de auferir lucro com a atividade econômica legítima, e mais ainda, de usufruir deste lucro de forma tranqüila, pode se tornar impossível."

O embaixador parte de três princípios questionáveis: que os desempregados do setor privado quase sempre recaem em atividades ilícitas ou informais, que os roubos e os seqüestros são uma "redistribuição forçada da renda" e que o liberalismo pressupõe o total "alheamento" do Estado sobre o desenvolvimento econômico.

Exercício de reflexão, o texto indica que o Brasil, dado o despreparo de sua mão-de-obra e o descompasso com os avanços tecnológicos dos países mais ricos, não deveria importar as fórmulas de desenvolvimento industrial do mundo desenvolvido nem as receitas econômicas neoliberais. Em seu ponto de vista, elas estimulariam a concentração de renda e agravariam a crise social. Ao contrário, Pinheiro Guimarães defende a adoção de uma fórmula nacional, capaz de promover instalação de empresas de tecnologia de ponta, por meio de proteção comercial, e principalmente de absorver grandes contingentes de trabalhadores. O segmento "não-empregável" nos setores privado e informal, recomenda ele, poderia ser ocupado pelo Estado em tarefas como a coleta de lixo, a construção de estradas e o serviço militar.