Título: Velhos companheiros se reencontram no ABC
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Nacional, p. A16

Velhos companheiros de luta estão de volta ao sindicato que dirigiram com valentia, 30 anos atrás, no Brasil dos generais. Rubão e Djalma - senhores circunspectos, aquele até meio sisudo e parcimonioso - reencontraram-se no terceiro andar do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, contraforte dos grevistas até que a intervenção os colocou para fora a pancadas de cassetete, em 1980. "Pára com esse negócio de tingir os cabelos, seu pelegão! ", provoca Djalma de Souza Bom, de 65 anos. "Você tá velho demais, sai pra lá puxa-saco do Baiano", retruca Rubens Teodoro de Arruda, de 66, voz rouca e compassada.

Logo, chegaram o Devanir e o Janjão. O primeiro, Devanir Ribeiro, de 61 anos, é deputado federal pelo PT, após quatro vezes vereador de São Paulo. João Justino de Oliveira, o Janjão, o mais velho do grupo, está com 73 anos e a saúde um tanto fragilizada por um derrame. Ouve com dificuldade, mas a memória ainda guarda cenas e histórias da luta. Todos têm em comum passagem que os enche de brios - fizeram parte da diretoria do sindicato que companheiro Lula presidiu, entre 1975 e 1980. Formaram na linha de frente de um movimento que mudou o País e forjou o futuro presidente da República.

No próximo 19 de abril, completam-se três décadas da posse de Lula na presidência da agremiação que, na época, reunia apenas os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e de Diadema. A data não vai passar em branco. O presidente do sindicato, José Lopes Feijóo, e a CUT estão organizando uma festa bonita para Lula e os parceiros da chapa verde que com ele foram eleitos, em 1975.

Eram 220 mil metalúrgicos. Um exército afinado, homens determinados como o seu comandante, o sujeito carismático, persuasivo, de bigodes bem aparados - ainda sem a barba -, a quem chamavam de Baiano.

Luiz Inácio da Silva, o Baiano, empregado da Indústria Villares, não tinha sequer incorporado o Lula ao seu nome. Baluarte do grande movimento, levou a categoria para as greves de 1978, 79 e 80.

Acabou preso pela polícia política, acusado de violação à Lei de Segurança Nacional. Saiu do cárcere 32 dias depois, glorificado e pronto para novo desafio, a política partidária. Fundou o PT e chegou ao Planalto, quatro eleições e 22 anos mais tarde.

REUNIDOS

Rubão, Djalma, Devanir e Janjão retornaram ao sindicato da Rua João Basso na manhã de sexta-feira, 4 de março, para falar dos tempos de luta. Sentaram-se lado a lado e puseram-se a falar. A diretoria de Lula eram ele e mais 21 companheiros. Uns já morreram. Outros saíram do ABC, poucos sabem do seu paradeiro.

Tinham na humildade e no companheirismo os alicerces do movimento. "Cada um tinha uma tarefa muito bem definida", lembra Devanir, que organizava os trabalhadores nas grandes empresas, promovia encontros e assembléias. Djalma agitava nas fábricas. Janjão, do Conselho Fiscal, cuidava do patrimônio. Rubão era o tipo pacificador. Quando o clima esquentava na fábrica, lá ia o Rubão propor diálogo. "O Lula pairava sobre todos nós, era nossa reserva moral", afirma Devanir.

Contam que Lula já almejava um sindicato livre, politizado, combativo e menos assistencialista. "Quando cheguei no sindicato, Lula nos chamou para uma conversa e foi direto", falou Djalma, então com 35 anos, controlador de peças da Mercedes-Benz.

Djalma atribui a Lula essas palavras: "Pessoal, as coisas vão mudar. Esse sindicalismo não serve para aquilo que a gente sonha. Não interessa sindicato com diretor e trabalhador aqui dentro. Quero um sindicato que vá para a fábrica. Tem uma coisa muito importante. Vivemos uma ditadura militar. O que queremos pode provocar prisões. Pode ter cassação, tortura. Vocês podem desaparecer."

Passaram uma noite inteira reunidos. "As fábricas eram campos de concentração, a segurança era gente da Gestapo, havia um clima de terror", fala Djalma. "Os chefes de segurança de todas as empresas eram coronéis, tinha cara do DOPS infiltrado nas multinacionais, até o faxineiro era do DOPS", confirma Devanir, que tinha 31 anos, trabalhava na Volks e era o 2.º secretário do sindicato.

O sindicato dos sonhos de Lula, segundo Djalma: "O Lula foi o Pelé do sindicato. Quando a gente chegava com uma sugestão, ele já saía na frente, sempre com as idéias mais avançadas. Sabia planejar, tinha muita visão daquilo que era bom pro trabalhador. Ele conseguiu integrar a teoria e a prática. Numa assembléia, ele disse pra gente: `Pessoal, a essência do sindicato é o trabalhador. A gente tem que ir pra fábrica. O sindicato não pode ser a colônia de férias e o ambulatório."

Lula percebeu as dificuldades para compor a diretoria que imaginava. Um diretor com função fixa nas máquinas não era o ideal. "A gente precisa de liderança, mas tem de ser alguém que tenha liberdade nos pátios para percorrer todas as unidades", planejou. Assim, para compor a chapa foram escolhidos mecânicos de manutenção, controladores de peças e motoristas de empilhadeiras. "Facilitou muito a comunicação nas fábricas", diz Rubão. "Todos os trabalhadores começaram a se interessar bastante pelo sindicato, passaram a respeitar a diretoria."

Devanir conta que Lula "atraiu a categoria com sua humildade, não tinha essa de mais ou menos, maior ou menor, não tinha baixo clero no sindicato". Eram todos iguais. "O Lula tinha facilidade de entender o que todos pensavam, tinha muita facilidade em fazer amigos, era cativante e nunca foi exclusivista", declara. "A gente falava que o artigo quinto da CLT (greves proibidas) era o nosso AI-5. Foi o artigo que todos usaram, o Juscelino, o Jânio, os militares, até hoje os trabalhadores estão subjugados pelo artigo quinto."