Título: Fiéis aceitam aborto e preservativos
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Vida &, p. A25

Ao contrário do que prega a Igreja Católica, a maioria dos católicos brasileiros é a favor do aborto em caso de risco de vida para a mãe e defende a distribuição gratuita de anticoncepcionais e preservativos pelos serviços de saúde. Os fiéis do País também são favoráveis à idéia de a Igreja rever suas posições proibitivas em relação ao uso de métodos contraceptivos e de preservativos. O quadro foi revelado pelo Ibope, numa pesquisa nacional encomendada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir. "A pesquisa nos surpreendeu de forma positiva. Os católicos tiveram atitude mais liberal do que os brasileiros em geral. Hoje se tem uma Igreja Católica tentando influenciar políticas públicas, enquanto sua base não segue essas posições. Essa hierarquia está falando em nome de quem?", indaga a coordenadora da organização, Dulce Xavier.

O Ibope ouviu 2.002 brasileiros (1.293 deles católicos) entre os dias 10 e 15. Entre os entrevistados católicos, 82% concordam com o aborto quando há risco de vida para a mulher, 80% quando o feto tem grave defeito congênito e 67% são favoráveis ao aborto quando a gravidez resulta de estupro. Os índices caem quando se contabilizam as respostas da população em geral, sem o corte por religião: 79%, 76% e 62%, respectivamente.

Os católicos também são mais favoráveis à oferta de aborto legal nos serviços públicos de saúde (78%) do que o total de entrevistados (74%). "Ninguém pode ser obrigado a levar um bebê sem cérebro por nove meses, sabendo que ele vai morrer logo após o parto. É muito sofrimento para uma mãe", diz a dona de casa Terezinha Gomes Machado, de 73 anos, católica praticante. Ela também aceita o aborto em caso de risco de vida para a mulher. "E, se ela tiver outros filhos, quem vai tomar conta das crianças?"

Terezinha, como 95% dos católicos entrevistados, concorda com o fornecimento gratuito da pílula nos postos de saúde. "Fui mãe aos 18 anos. É um avanço para as gerações mais recentes poderem planejar a família. Não vejo nada de mal nisso", diz. Entre os católicos, 97% concordam com o uso de preservativo para prevenir doenças sexualmente transmissíveis. Ainda contrariando a Igreja, 86% dos católicos afirmam que se consideram bons fiéis, mesmo usando anticoncepcionais.

Também se perguntou aos entrevistados católicos se os políticos devem tomar decisões com base somente nos ensinamento da Igreja Católica ou na diversidade de opiniões que existem no País. "A Igreja faz pressão sobre os políticos, como se viu na votação da lei que autoriza a pesquisa com célula-tronco embrionária, mas 86% dos católicos acreditam que essas decisões devem se basear na diversidade de opiniões", disse Dulce, que vai encaminhar a pesquisa para a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

D. Estêvão Bettencourt, professor de teologia e diretor da Faculdade de Filosofia da Arquidiocese do Rio, diz que há uma "moral católica" a ser seguida pelos fiéis. "É triste ver que o pragmatismo prevalece. Somos contrários ao aborto porque desde a fecundação do óvulo exige um novo ser com direito à vida", disse.