Título: Calçadistas prevêem prejuízos
Autor: Silvana Rocha e Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Economia, p. B1

A indústria de calçados prevê perdas de até US$ 500 milhões, caso não haja uma reversão da cotação do dólar para os níveis de R$ 2,90 a R$ 3,00 até o fim do semestre. O alerta é da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Com a atual cotação, a indústria não pode sequer comemorar o aumento de 15% nas exportações neste início do ano. Ao contrário, fala-se de férias coletivas, demissões e até no fechamento de empresas. "É um paradoxo. Temos um crescimento expressivo em volume, mas estamos trabalhando no prejuízo", afirma o diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein. "As entregas feitas em janeiro e fevereiro referem-se a contratos celebrados em setembro do ano passado, quando o dólar estava cotado a R$ 3,00."

Com uma exportação que atingiu a marca de US$ 1,8 bilhão no ano passado, o setor calçadista vivia um de seus melhores momentos. "Por conta do euro valorizado, nossos principais concorrentes - Itália, Espanha e Portugal - estavam fora do mercado", afirma Klein. "Agora, com essa artificialidade da política monetária influindo na cotação da moeda brasileira, não podemos mais usufruir dessa vantagem."

Nesse momento, passada a fase de prejuízos ocorrida em janeiro e fevereiro, a indústria começa a reduzir a atividade. Pelo menos oito empresas de pequeno porte fecharam as portas no Vale dos Sinos (RS). Em todo o País, mas em especial no Sul e em Franca, interior de São Paulo, principais pólos exportadores, as empresas estão reduzindo as atividades e dando férias forçadas aos funcionários. "O quadro é perverso", desabafa Klein, que já começa a temer a invasão de calçados chineses no Brasil. "Logo logo a China vai conseguir colocar sapato a um preço competitivo no Brasil", diz. "A defasagem cambial existente hoje anula o imposto de importação, que é de 20%."

Na avaliação de Klein, o quadro hoje remete à crise do setor após a desvalorização do real, em 1994/95. Na época, a receita com exportação caiu de US$ 1,9 bilhão (1993) para US$ 1,2 bilhão (1995), provocando a perda de mais de 30 mil empregos. "Já vimos esse filme", avisa Klein. "Mas agora temos o agravante da China." Na época, a China não era competitiva no setor e portanto não era uma ameaça como competidora no mercado externo, e muito menos no mercado interno.