Título: Kirchner começa batalha com empresas privatizadas
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2005, Economia, p. B3

O encerramento da renegociação da dívida argentina, anunciado com toda pompa na semana passada, não é o fim da guerra contra a crise do país. O anúncio da adesão de 76,07% dos credores à troca de títulos velhos, em estado de calote, pelos novos, reestruturados, significou apenas o fim de uma batalha. Na frente de combate, o governo do presidente Néstor Kirchner ainda tem vários desafios. Um dos mais imediatos são as negociações com as empresas privatizadas de serviços públicos, previstas para começar até o final de abril. Entre as trincheiras do governo Kirchner e as privatizadas existe um campo minado composto pelo congelamento das tarifas para os consumidores residenciais (sem reajuste desde janeiro de 2002), a renovação das concessões e a redefinição dos serviços. A batalha será árdua, já que o governo enfrentará renegociações com 64 empresas. Desse total, a equipe do ministro da Economia, Roberto Lavagna, já tem acordos provisórios com 13 empresas.

O clima entre o governo e as privatizadas é áspero há três anos, desde que, em janeiro de 2002, Eduardo Duhalde, na época presidente provisório, decidiu congelar as tarifas dos serviços públicos, alegando que a medida era necessária para evitar o colapso social. De lá para cá, a economia argentina recuperou-se. E em vários casos as tarifas foram liberadas, abrangendo apenas os consumidores industriais e comerciais.

As privatizadas, cansadas de esperar o descongelamento das tarifas, abriram processos contra o Estado argentino no Centro Internacional de Resoluções de Conflitos de Investimentos (Ciadi). Já são 35 demandas (das quais 22 são de empresas privatizadas) contra o país, envolvendo pedidos de US$ 16 bilhões de indenizações. A Argentina é o país com mais processos no Ciadi.

O impasse é inevitável, pois o governo diz que só depois de retirados os processos sentará à mesa para negociar. Já as privatizadas alegam que só depois que Kirchner liberar as tarifas é que elas retirarão as demandas. Segundo o ministro da Justiça, Horacio Rosatti, "de forma alguma a Argentina vai permitir que sua política de serviços públicos seja resolvida nos tribunais internacionais".

CLIMA TENSO

O clima para as negociações com as privatizadas é considerado mais tenso do que o da reestruturação da dívida. Há poucos dias, o próprio Kirchner sugeriu que o governo não hesitaria em fazer reestatizações nos casos em que as privatizadas não cumprissem com seus deveres. Ele afirmou que vai defender o consumidor argentino "com unhas e dentes". Para complicar, Kirchner terá decisivas eleições parlamentares em outubro, e a liberação das tarifas atingiria o bolso do consumidor, também eleitor.

Nesta área, o governo Kirchner já demonstrou que não hesitaria em reestatizar. Um dos casos mais emblemáticos é o dos Correios, que sob a administração estatal está dando lucros pela primeira vez, após anos de privatização. Além disso, Kirchner criou uma linha aérea estatal, decretou a intervenção em várias empresas ferroviárias e fundou a polêmica Enarsa, que pretende ser o embrião de uma grande empresa estatal de gás e petróleo.