Título: Místicos acham que Lula entrou na `freqüência errada¿
Autor: Lisandra Paraguassú Sandra Hahn
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2005, Nacional, p. A6

Na Aldeia da Paz, 500 pessoas procuram mostrar que o mundo odara é possível PORTO ALEGRE - Nem Hugo Chávez nem passeata. Enquanto o presidente da Venezuela era recebido ontem com festa no Fórum Social Mundial - e integrantes do PSTU faziam caminhada contra a ocupação do Iraque -, eles entoavam mantras e usavam a Rádio Hohm para dar recados energéticos. Na Aldeia da Paz, às margens do Rio Guaíba, 500 pessoas de comunidades alternativas continuarão mostrando até amanhã que o mundo odara é possível. Lá tem a Tenda Galaktica, a Nave do Tempo, o ônibus Nômades Galakticos, que mais parece integrante da "Caravana Holiday", além do Buss Hohm Ganesha. Eles não tomam coca-cola, não comem produtos enlatados nem usam bebidas alcoólicas. Dos iglus e barracas de náilon erguidos na areia, querem mudar o atual calendário gregoriano para o de 13 Luas de 28 dias, dos maias, e acham que só assim o planeta terá harmonia.

Nômades de várias partes da América Latina, os acampados adotaram sobrenomes pra lá de estranhos, que representam "tribos solares". De Tormenta Planetária a Serpente Elétrica, passando por Vento Cósmico e Sol Espectral, as variações são as mais exóticas possíveis. Encravada num território onde se avistam bandeiras brancas com três bolas roxas, que simbolizam a interação entre arte, ciência e espiritualidade, a Aldeia da Paz está sob os domínios do Acampamento Intercontinental da Juventude.

TRIBOS

"Estamos na freqüência da paz", diz Thomas Enlaçador de Mundos, de 28 anos, com um turbante lilás amarrado na cabeça, para se proteger do sol. "Mas não queremos ser conhecidos como uma aldeia de hippies dentro do Fórum Social Mundial. Somos o exemplo de autogestão dos acampados", completa, mostrando a cozinha-padaria comunitária que ali funciona, onde homens e mulheres preparam as refeições de cada dia. Tudo natural e sem conservantes.

Xará do Enlaçador, Tomaz Sol Ressonante, de 36 anos, orgulha-se das caravanas feitas pelo Nômades Galakticos, mesmo nome da banda que toca no pedaço. Com "base" em Florianópolis, o ônibus é todo colorido e tem uns 40 anos. Vira-e-mexe, leva a bordo tribos da Rede de Arte Planetária para alguma missão como esta, do Fórum Social Mundial. Já percorreu 70% dos países da América do Sul.

"Estamos trabalhando com a economia de paz, com o ciclo de regeneração da biosfera, que é o inverso da globalização", afirma Sol Ressonante, ao tentar explicar de que os defensores da causa sobrevivem. "A moeda social supre as necessidades quando não se tem o real como moeda circulante." A Rádio Hohm, definida como "itinerante", fica ali mesmo. É itinerante porque está literalmente dentro do ônibus, que tem cozinha, cama e microfone. O Buss Hohm Ganesh é outro que ajuda a transportar o povo de um lado para outro, saindo sempre de Alto Paraíso, em Goiás.

Dos debates do fórum mesmo, os acampados da aldeia acompanharam pouco ou quase nada. Preferiram participar das cerimônias para as sete direções galácticas, entoar mantras e fazer meditações sobre o futuro do universo na tipi, construção de índios norte-americanos montada diante da fogueira, cheia de objetos sagrados.

"Não fui nem ver o Lula", contou Enlaçador de Mundos, ao lembrar do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fórum, há quatro dias. Arrependimento? "De jeito nenhum. Ele conquistou corações e depois cedeu às pressões da especulação financeira, entrando na freqüência errada", insistiu.

"Mas tudo pode mudar", avisou Cláudio Spínola, o Cachorro Espectral, que já está definindo as atividades "pós-fórum" do grupo, como o destino das caravanas. Afinal, lembra ele, 2005 é o ano da tormenta cristal azul, da limpeza, da purificação e transmutação. Quem viver, verá.