Título: Antes perseguidos, xiitas votam entusiasmados
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2005, Internacional, p. A11

Em escola de Bagdá, votação transcorre tranqüila e maior problema é entender a complicada cédula BAGDÁ - Lentamente, os eleitores começam a chegar na Escola Zubaida, em Nidhal - um únicos quatro locais de votação nos quais as autoridades americanas e iraquianas permitiram a entrada dos jornalistas. Nos arredores da escola, onde há quatro mesas de votação, a segurança é reforçada. Os soldados americanos se limitam a patrulhar as principais avenidas e não integram as equipes de vigilância dos bloqueios de arame farpado instalados perto da entrada das seções eleitorais. Nidhal é um bairro de população mista, mas a maior parte dos eleitores registrados é xiita. Os xiitas também são a maioria da população do Iraque e estão entusiasmados com a possibilidade de ocupar a maior parte das 275 cadeiras da Assembléia Nacional, que será encarregada de redigir a nova Constituição iraquiana e eleger um novo governo. Durante décadas do regime de Saddam Hussein, a maioria xiita foi brutalmente reprimida, apesar de ter representantes no governo de facto. Seus líderes religiosos foram forçados a longos períodos de exílio, principalmente no vizinho e rival Irã, cujo Estado teocrático é dominado pelos xiitas desde 1979.

Agora, estão prontos para ir à forra. "Eu amo (o presidente americano) George Bush", disse ao Estado Rajiha Taha Abdul Jabbar, de 73 anos, locomovendo-se em uma cadeira de rodas e orgulhosa pelo fato de ter podido votar nessas eleições. "Temos uma dívida de gratidão com Bush", acrescenta, enquanto mostra o dedo marcado com a tinta indelével destinada a evitar que o mesmo eleitor vote mais de uma vez.

Os sunitas têm opinião diferente. Quatro populosas províncias iraquianas de maioria sunita não votaram no domingo. Fora do controle militar americano e dominadas pelos violentos rebeldes que declararam guerra não só contra a ocupação, mas também à própria eleição, essas províncias não tiveram nem mesmo as mesas instaladas. Para a maior parte da população sunita, uma eleição realizada nas condições em que se realizaram as de ontem - num país ocupado e sob a ameaça da resistência - não têm legitimidade.

Havia 30 mil as mesas de votação em todo o país. Além dos deputados da Assembléia, 14 das 18 províncias elegeram deputados do Conselho Provincial e, na área curda do norte do país, o Curdistão elegeram uma assembléia autônoma. Na entrada das salas de votação, os cartazes estão em árabe e no idioma curdo, que, depois do fim do regime de Saddam, passou a ser a segunda língua oficial do país.

Em Nidhal, a votação é tranqüila. Não há filas e os eleitores ficam poucos minutos na cabine. A maior dificuldade é com as confusas cédulas eleitorais. A destinada à votação da Assembléia Nacional é um pouco menor do que uma página dupla de jornal, onde estão relacionados 112 nomes de partidos e coalizões - que agrupam pouco mais de 200 partidos menores, movimentos civis e associações. Outra cédula tem a lista dos partidos candidatos ao Conselho Provincial. As cédulas são dobradas e colocadas em urnas separadas. Na saída, o eleitor mergulha o dedo no pote de tinta indelével.

VÉSPERA

O esquema de segurança sem precedentes para evitar a ação dos grupos rebeldes começou a ser implementado logo pela manhã de sábado, com tratores do Exército americano e das forças de segurança iraquianas instalando blocos de concreto e soldados espalhando rolos de arame farpado nas ruas, avenidas, pontes e viadutos. Mesmo assim, incidentes esporádicos ocorreram em várias partes da cidade.

Num desses bloqueios, instalado na ponte sobre o Rio Tigre, insurgentes trocaram tiros com os militares. Um americano e um policial iraquiano ficaram feridos.

Em outro ponto da cidade, mais ao norte, uma granada de morteiro, disparada pelos rebeldes, causou danos numa casa próxima a um centro eleitoral, provável alvo do ataque. Durante toda a noite, comboios de Humvees e colunas de tanque quebravam o silêncio na cidade.