Título: Eleições provocam mais dúvidas que esperanças nos países vizinhos
Autor: Steven R. WeismanThe New York Times
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2005, Internacional, p. A14

Temor maior é que a mudança de regime no Iraque possa influenciar radicais a investir contra seus governos WASHINGTON - Na véspera da guerra, há dois anos, o presidente Bush disse que um regime democrático no Iraque "serviria como um exemplo espetacular e inspirador para outras nações da região". Desde então, já houve eleições no Afeganistão e entre os palestinos o que, com governo próprio no Iraque, tem criado ondas concêntricas de esperança no Oriente Médio. Mas agora, após os iraquianos votarem em sua primeira eleição moderna, a guerra no Iraque também está levando o Oriente Médio e suas relações com os Estados Unidos em direções que o governo Bush talvez não tenha esperado.

Mesmo muitos dos céticos da região em relação à guerra dizem que o Iraque talvez possa, afinal, construir uma democracia relativamente estável. Mas alguns dos aliados mais fiéis dos EUA na região, sabendo como seu próprio poder é vacilante, temem que a insurgência no Iraque possa encorajar dissidentes violentos em seus países. Além disso, entre muitos árabes comuns, o exemplo do Iraque talvez seja mais alarmante que inspirador.

Sejam quais forem as esperanças de democracia que esses cidadãos tenham, eles começam a se preocupar se o Iraque não teria pago um preço alto demais para chegar às eleições, caindo na extrema violência, luta sectária e vulnerabilidade àqueles que pregam o ódio aos EUA.

Duas perguntas estão na cabeça deles: mesmo que a democracia lance raízes e cresça no Iraque, isso terá como conseqüência um Oriente Médio mais estável? E se, ao contrário, a guerra civil tomar conta do Iraque, quanto tempo vai demorar para a instabilidade engolfar os vizinhos?

"Temos o poder de reembaralhar as cartas no Oriente Médio", disse Shibley Telhami, professor na Universidade de Maryland. "Mas não o poder de sabear como as cartas serão distribuídas."

XIITAS

Além da preocupação geral com a instabilidade, há uma preocupação compartilhada entre os países governados por sunitas - Egito, Jordânia, Arábia Saudita e os Estados menores ricos em petróleo do Golfo Pérsico - de que o maior beneficiado da guerra até agora não foi o Iraque, mas o Irã dominado por xiitas.

Eles temem que a maioria xiita do Iraque no poder vá estimular xiitas de outros lugares a desafiar os sunitas dominantes. Isso, por sua vez, poderia encorajar a disseminação da influência iraniana, mantida sob controle pelo Iraque quando governado por reis e ditadores sunitas.

O rei da Jordânia, Abdala, viajou para Washington recentemente para expressar os temores da maioria sunita da região de que um arco de influência xiita possa logo estender-se do Irã através do Iraque à aliada do Irã, a Síria e o Líbano, dominado pela Síria..

Autoridades do governo Bush vêm pedindo a líderes árabes para que não exagerem esses temores e, recentemente, uma alta autoridade do Departamento de Estado descartou os comentários do rei como "paranóia racista e antixiita". Mas essa autoridade reconheceu que tais apreensões andam se espalhando pelo mundo árabe.

SUNITAS

E um iraquiano ex-consultor do Departamento de Estado foi mais longe, insinuando que a Jordânia e a Arábia Saudita - e em parte a Síria - poderão permitir que insurgentes sunitas no Iraque tenham apoio a partir do território deles.

"Os sunitas do Iraque podem constituir apenas 20% da população, mas são uma minoria experiente que tem uma profundidade estratégica entre os vizinhos do Iraque", disse o ex-consultor, referindo-se aos sunitas do Iraque (mas não aos curdos, que também são muçulmanos sunitas). "O apoio vindo da Jordânia e da Arábia Saudita é uma força multiplicadora para eles."

Os líderes xiitas do Iraque, que estiveram entre os mais entusiasmados defensores da eleição de domingo, têm sustentado firmemente que uma democracia pluralista, e não a teocracia do Irã, é o modelo de governo deles, e o próprio Irã tacitamente abençoou essa abordagem.

Entretanto, a campanha no Iraque fortaleceu a posição do Irã na região com a remoção de seu pior inimigo, Saddam Hussein, e seja qual for o governo que assumir no Iraque, a tendência é que tenha laços amigáveis com Teerã .