Título: Guerra piora status de mulheres
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2005, Internacional, p. A15

Mas terão maior representação e deverão influir na Constituição BAGDÁ - A doutora Samira parou de ir de carro à sua clínica meses atrás. Cada vez que ela pisa nas ruas de Bagdá para ver seus pacientes, cobre os cabelos com um véu para evitar abusos ou até violência. "Sempre coloco isso porque não quero problemas", disse ela, que pediu para seu verdadeiro nome não ser revelado, com medo de represálias. "Escutamos histórias de todos os tipos de ataque." E ela continua: "As mulheres voltaram cem anos no tempo desde a guerra. Sou uma médica. Quero reconstruir meu país, mas este não é o Iraque que eu esperava depois de todos esses anos sombrios sob Saddam Hussein. Estou deixando o Iraque, mas ainda vou votar contra os partidos religiosos".

As mulheres iraquianas estavam entre as mais bem educadas e mais liberais no mundo árabe dos anos 70, até que a guerra e as sanções internacionais contra Saddam as fizeram retroceder.

Apesar da queda de Saddam quase dois anos atrás, muitas mulheres dizem sentir-se mais intimidadas do que nunca. Desde que as forças americanas invadiram o Iraque com a promessa de liberdade, muitas mulheres dizem que a violência disseminada as deixou com muito medo de sair sozinhas e um levante na militância islâmica obrigou mulheres de todas as religiões se cobrirem.

"Às vezes, uso um véu para proteção", disse Bushra Gorgis, cristã, auxiliar de limpeza em Bagdá. "Minhas irmãs em Mossul sempre usam véu, desde que mulheres que não usavam o véu foram mortas lá. A segurança fraca afeta a todos, mas talvez eu sinta mais o perigo porque estou criando três filhas sem ajuda de ninguém." A violência extrema está impedindo o que poderia ser um novo começo para as iraquianas, agora gozando de mais representação política do que nunca.

Seis dos 34 ministros são mulheres. Assim como são mulheres cinco vice-ministros. Hoje, os iraquianos vão eleger uma nova Assembléia Nacional, com 275 integrantes, na qual as mulheres têm um quarto dos assentos garantidos, abrindo-lhes uma voz sem precedentes na redação de uma constituição que governa importantes questões familiares, como o divórcio e a guarda dos filhos.

Esse nível de representatividade é mais alto do que em muitos lugares do Ocidente. Cerca de 15% dos integrantes do Congresso americano são mulheres e a proporção na Casa dos Comuns, da Grã-Bretanha, é 18%.

No ano passado, campanhas de grupos de mulheres ajudaram a derrubar uma resolução do hoje encerrado Conselho de Governo que teria mergulhado os estatutos familiares, relativamente abertos do Iraque, na lei islâmica ou Sharia, reduzindo potencialmente o o valor do dinheiro que herdam e tornando mais difícil para elas se divorciarem.