Título: 'Governo já poderia ter cortado juro'
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2005, Economia, p. B5

O atual nível do superávit primário permite ao governo cortar os juros básicos, diz o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton. Para ele, o efeito de tal medida sobre a inflação seria mínimo e o Brasil poderia crescer de modo sustentado a taxas elevadas. A seguir, os principais trechos da entrevista dada por telefone ao Estado de sua casa em Nova York. Estado - Na atual conjuntura, o aumento de juros tem eficácia?

José Alexandre Scheinkman - O principal problemas de novas altas da taxa de juros é o impacto fiscal. Cada vez que aumenta a taxa de juros, cresce o custo da dívida. É bastante incerto se esses aumentos dos juros vão ter eficácia em baixar a inflação. Por outro lado, o impacto sobre o custo da dívida é uma coisa certa. Não me parece uma relação custo benefício muito boa.

Estado - Qual o efeito disso na economia real?

Scheinkman - Está diminuindo o ritmo de queda da relação dívida/PIB. Embora o governo esteja anunciando um superávit primário de 4,63%, todo esse superávit está sendo usado para pagar o juro real da dívida. Mas só com a queda da relação dívida/PIB o governo terá capacidade de contribuir para a poupança nacional e fazer todos os investimentos em infra-estrutura que são necessários e finalmente um dia cortar impostos também, porque a nossa carga tributária é absurda.

Estado - Quais os efeitos imediatos dos juros elevados?

Scheinkman - Evidentemente, uma taxa de juros real tão alta tem um impacto negativo sobre o nível de atividade. Mas a preocupação maior é que nós precisamos entrar numa trajetória de crescimento mais alto por um período longo, sustentável. E esse crescimento sustentável depende em boa parte da capacidade do governo de começar a contribuir para a poupança nacional.

Estado - Qual seria o remédio?

Scheinkman - Mantidos os atuais níveis de superávit primário, o Banco Central poderia ser um pouco mais ambicioso e experimentar taxas de juros reais mais baixas. É provável que o impacto inflacionário seja nulo ou muito pequeno. E os efeitos positivos sobre a dinâmica da dívida realmente fazem isso valer a pena.

Estado - Até onde vale a pena continuar elevando os juros?

Scheinkman - Eu acho que já passamos desse ponto. Estamos num clima muito diferente daquele do começo do governo Lula. Hoje, os investidores internacionais emprestam ao governo brasileiro com uma taxa de risco muito menor do que naquela época. Fala-se muito numa taxa de risco Brasil de 4%, mas na verdade para períodos curtos, de menos de um ano, a taxa de risco do País está entre 1% e 2% ao ano. Se o investidor estrangeiro está disposto a apostar na dívida brasileira uma taxa de risco de 1% a 2% ao ano, por que nós precisamos internamente de uma taxa real de quase 12% ao ano?

Estado - A meta de inflação de 5,1% não é baixa demais?

Scheinkman - Sabemos que essa meta é somente uma tendência central, há uma banda em torno dela. E é parte do trabalho dos dirigentes do BC entenderem quando atingir um ponto particular dessa banda pode estar trazendo outros custos para a economia. A verdade é que um dos problemas que o Brasil vai enfrentar é que estamos entrando num período em que se espera que várias economias centrais vão aumentar suas taxas de juros, principalmente os Estados Unidos. E à medida que as taxas americanas subirem fica mais difícil baixar juros num País como o Brasil. Acho que o BC deveria ter sido mais agressivo em baixar os juros de meados de 2003 em diante para se aproveitar de um período de alta liquidez na economia mundial.

Estado - Qual é o juro de equilíbrio para o Brasil, que precisa de capital externo e tem uma inflação muito puxada pelos preços administrados?

Scheinkman - Existe um conceito teórico desse juro de equilíbrio, mas transformar isso numa medida prática, num número, é mais arte do que ciência. Não vou dizer qual é o juro de equilíbrio, mas evidentemente que os nossos juros reais estão completamente fora da escala dos juros reais dos outros países do mundo. É mais uma das nossas jabuticabas.