Título: Governo aperta cerco à indústria da calamidade e recusa ajuda a prefeitos
Autor: Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2005, Nacional, p. A4

Municípios alegam problemas da seca ou desastres naturais para fechar contratos sem licitação e suspender prazos e limites da Lei Fiscal RIO - Prefeituras em todo o País que decretaram situação de emergência ou estado de calamidade pública correm o risco de ficar sem ajuda federal neste ano. O Ministério da Integração Nacional tornou mais rígidos seus critérios. Desde o fim do ano passado, a pasta recebeu mais de 300 decretos municipais baixados com essa finalidade, mas até agora não reconheceu nenhum deles, por suspeitar que muitos não têm base na realidade ou exageraram a fúria da natureza. O secretário nacional da Defesa Civil, coronel José Pimentel, diz que 195 pedidos são de cidades nordestinas e no máximo 47 serão aceitos. E adianta: não mais do que 30% dos decretos editados em todo o Brasil já recebidos serão acolhidos. "O Brasil vulgarizou muito a calamidade pública", afirma Pimentel. Sem citar local, o coronel conta um episódio que testemunhou em 2003: em um Estado em que 98 cidades decretaram estado de calamidade pública por causa da seca, um dos municípios tinha árvores com folhagens verdes e muitos moradores lavavam seus carros nas calçadas. No caso de seca, a homologação só ocorre após algumas providências. Uma é a realização de estudos meteorológicos, para detectar se choveu abaixo da média histórica. Outra é a apresentação de laudos da Emater atestando quebra de safra. "Ninguém planta na seca. Se não há plantio, não há quebra de safra." O militar afirma que, antes de 2003, os critérios para acolher os pedidos eram sem muita base técnica, feitos em resposta às ocorrências e ao noticiário. Em 2003, foram reconhecidos 1.462 decretos; em 2004, 1.763. "Era tudo emocional, a indústria do carro-pipa", diz o Pimentel, que admite perdas de safra, mas numa intensidade menor do que o alegado. "Imaginar que um Estado fica em estiagem o ano inteiro não existe." LICITAÇÃO A situação de emergência e o estado de calamidade pública, causados por desastres naturais, humanos e mistos, têm diferenças. A primeira pode ser enfrentada pelo município. O segundo exige a ajuda estadual, federal ou as duas juntas. Municípios nessas duas condições ficam dispensados de fazer licitações nas regiões e setores atingidos pela catástrofe e dão contrapartidas menores do que a usual para ajuda financeira federal: 7% a 10%, no primeiro caso, e 3%, no segundo. Se conseguirem a homologação pela Assembléia Legislativa, conseguem a suspensão de alguns prazos e exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. Um levantamento feito por telefone junto a 17 governos estaduais constatou que há 616 decretos municipais de estado de calamidade pública ou situação de emergência, em geral por seca ou excesso de chuvas. Pouco mais da metade já foi mandada para reconhecimento do ministério. Alguns municípios alegam conseqüências de desordem nas contas públicas - como Guararema, Santo Amaro e Jussara, na Bahia, segundo o coordenador da Defesa Civil local, Artur Napoleão de Carneiro Rego -, mas seus decretos ainda não foram homologados pelos Estados. A hipótese não é contemplada pela Codificação de Desastres, Ameaças e Riscos estabelecida pela Resolução 2, de 12 de abril de 1994, do Conselho Nacional de Defesa Civil. A regra não considera desastres financeiros como motivo para decretos. "Fizemos a nossa parte", diz o coordenador da Defesa Civil de Pernambuco, coronel Marcos Antônio da Silveira Alves. No Estado, há 42 municípios com decretos de emergência, baixados desde setembro, e 38 homologados pelo Estado a partir de dezembro. "Fomos aos municípios e fizemos a vistoria de constatação. Em todos, notamos que a estiagem estava bem caracterizada, com efeitos sobre a população." Em 2005, já há 12 novos decretos, alguns renovação dos antigos, à espera de vistoria. No Piauí, nenhum dos 72 decretos municipais de situação de emergência baixados no fim do ano passado foi reconhecido pelo Ministério da Integração. "Enviamos os nossos relatórios e não recebemos nenhum comunicado, nem reconhecendo, nem de não-reconhecimento", lamenta o coordenador da Defesa Civil do Estado, coronel Francisco Barbosa. "Agora, as chuvas voltaram na região do semi-árido, e a situação se está normalizando. Os decretos estão vencendo e não estão sendo renovados."