Título: Governo dá sinais de um acordo ultralight com FMI
Autor: João CaminotoCorrespondente
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2005, Economia, p. B1

Técnicos do Fundo e membros da equipe econômica já conversam sobre novo acerto, que deve ter caráter preventivo LONDRES - A decisão ainda não foi tomada, mas são crescentes os sinais de que o Brasil poderá renovar, de alguma forma, seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nos últimos meses, o discurso das autoridades brasileiras migrou de uma clara disposição de negar um novo acordo para uma posição neutra em relação ao tema. "Não há nada decidido, isso ficará para março", reiteraram, em diversas ocasiões, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, encerrado ontem. Essa atitude mais cautelosa do governo brasileiro é explicada pelo temor de que o País seja pego no contrapé dos mercados. Ou seja, no momento em que romperia sua relação formal com o FMI e o acesso praticamente automático aos cofres do Fundo em Washington, o Brasil poderia ser pressionado por um mercado externo mais adverso, com crescente aversão ao risco causada pela alta dos juros nos Estados Unidos.

De fato, técnicos do FMI e membros da equipe econômica brasileira já estão conversando sobre um possível novo acordo. Se ele sair, certamente terá um caráter preventivo, a exemplo do atual, ou seja, o Brasil sacaria os recursos disponíveis apenas em caso de aperto. Em 2004, isto não foi preciso. Seria uma espécie de acordo "ultralight", que daria uma garantia extra aos mercados e, ao mesmo tempo, não abalaria a tese de que o País já "pode andar com as próprias pernas", utilizando-se um termo muito empregado pela equipe econômica.

Não há dúvidas, entre os técnicos do Fundo e a maioria dos analistas de mercado, de que o Brasil vem apresentando uma acentuada melhora de seus fundamentos econômicos e reduziu sua vulnerabilidade. Mas, como disse no fim de semana em Davos a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, o Brasil melhorou seus números, mas ainda é um país vulnerável, ocupando uma "faixa média de risco". Como o economista-chefe do Banco Morgan Stanley, Stephen Roach, observou, "seria ingenuidade do Brasil pensar que está imune" a futuras crises. A relação dívida/PIB do Brasil ainda é preocupante e o País poderia ser colocado sob pressão num mercado externo de liquidez reduzida e maior aversão ao risco.

A previsão dominante nos mercados é de que 2005 será um ano benigno para os emergentes, embora não tão positivo como no ano passado. Krueger disse que o "cenário mais provável é que 2005 será mais um ano bom". Segundo ela, a inflação americana não deverá subir muito, confirmando uma alta gradual dos juros. Os encargos das dívidas dos emergentes poderão crescer um pouco, mas em contrapartida esses países terão fortes exportações. "Isso não significa que os spreads da dívida emergente não subirão um pouco, mas acho difícil que ocorra algo significante", disse Krueger.

Ela observou que muitos países emergentes tiveram uma melhora da estrutura de suas dívidas. "Em muitos casos, eles têm cortado a relação do PIB com a dívida, têm abandonado a dívida denominada em moeda estrangeira para a dívida atrelada à moeda local, como é o caso do Brasil."

Mas, apesar de demonstrar otimismo com 2005, a própria Krueger admite que em algum momento virá um ajuste nos mercados, que poderá atingir os emergentes, principalmente aqueles que não aproveitaram devidamente a janela de oportunidade oferecida pelos mercados nos últimos dois anos. O ex-economista-chefe do FMI e professor da Universidade de Harvard, Kenneth Rogoff, confere uma possibilidade de 20% a uma forte volatilidade entre os emergentes em 2005. Para os próximos dois ou três anos, as chances de uma crise emergente, segundo ele, são de 40%. Stephen Roach, do Morgan Stanley, é ainda mais pessimista e prevê que "a bolha emergente" poderá estourar em meados deste ano.