Título: Negociação às claras na rota de caminhões
Autor: Marcelo Onaga
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2005, Metrópole, p. C1

O alto fluxo de caminhoneiros e a miséria da região são apontados como os principais responsáveis pelo alto índice de prostituição nas cidades da Chapada do Araripe. Além de Araripina, Ouricuri e Trindade, do lado pernambucano, e Marcolândia, no Piauí, aparecem no relatório divulgado na semana passada pela Secretaria dos Direitos Humanos como cidades onde há prostituição infantil. Em Marcolândia, as meninas ficam à espera de caminhoneiros no posto de fiscalização da Secretaria da Fazenda, onde não faltam policiais, e negociam programas abertamente. A cidade também é conhecida na região por seus bordéis, onde é só pedir que uma menina de 13 ou 14 anos que ela é apresentada pela dona da casa, apesar das advertências do Conselho Tutelar da cidade. "Todas dizem que não há menores na casa, mas os clientes conseguem adolescentes por lá", afirma Valquíria Nogueira, presidente do Conselho Tutelar de Marcolândia. Marli, dona de um prostíbulo na cidade, confirma que já teve menores em seu "bar", mas diz que já não as deixa entrar. "Desde que o conselho disse que não poderíamos fazer isso, parei." Uma vizinha diz que não é bem assim. "Todos os dias tem menina nova entrando lá, é uma vergonha." Marcolândia tem fama de ter famílias de prostitutas. Maria das Neves é uma delas. Dona de um prostíbulo, ela se enrola toda para explicar o que faz. "Aqui não tem menor, não. As meninas que vêm aqui sabem o que estão fazendo", conta. Diz que o bar não é um bordel. "Meus amigos vêm aqui e me ajudam." Ela nega que tradição da profissão na família, mas também se confunde. "Uma sobrinha minha já trabalhou aqui, minha filha só veio aqui, mas não trabalha." Mas os vizinhos são unânimes: lá funciona um bordel e duas filhas de Maria das Neves trabalham. "Isso é comum na cidade. Há mais casos de prostitutas que colocam suas filhas na prostituição. Há casas onde há três gerações trabalhando juntas", diz Márcia Araújo Leite, do Programa Sentinela. Márcia diz que muitas prostitutas vêm de outras cidades, até de outros Estados. "Pegam carona com os caminhoneiros e acabam parando por aqui. Assim como meninas daqui já foram encontradas em outros lugares", conta. Pela manhã, é fácil ver meninas pedindo carona nas estradas. Fernanda (nome fictício), de 16 anos, estava terça-feira da semana passada com Glaucileide, de 31, na BR-316, saída de Ouricuri. Haviam passado o fim de semana na cidade fazendo programas e queriam voltar a Salgueiro. Despachada, Fernanda foi logo dizendo que fazia de tudo, sexo de qualquer tipo e em qualquer posição. Por quanto? "R$ 20, mas posso fazer por R$ 10 se o cliente pedir." Nascida no Ceará, ela foi para Salgueiro, de carona com um caminhoneiro, morar com uma tia. "Não quero estudar. Ganho muito mais com o que faço do que se trabalhasse em outra coisa", diz. Ela chega a faturar R$ 100 em um fim de semana. Uma fortuna, se comparados com os R$ 20 por semana que um chefe de família ganha na roça na região.