Título: Promotoria denuncia 55 funcionários da Febem
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2005, Metrópole, p. C1

A Promotoria de Justiça Criminal ofereceu ontem denúncia por tortura e formação de quadrilha contra 42 funcionários da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Eles são acusados de participar de um megaespancamento de adolescentes no complexo Vila Maria no dia 11. Se condenados às penas máximas pedidas pela Promotoria, a soma poderá passar de mil anos de prisão para cada um. A Promotoria também pediu a prisão preventiva dos 42 acusados - 16 já presos - e denunciou outros 13, entre eles uma enfermeira, por omissão. Apesar de não terem torturado, deveriam ter evitado as agressões e relatá-las a autoridades. A denúncia ainda trouxe à tona outro tema polêmico - o da adoção do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) na Febem.

A pena gigante pedida pela Promotoria aos acusados de tortura se explica pelo número de vítimas. Nove internos saíram com lesões graves - cuja pena é de 4 a 10 anos de reclusão, mais de um terço à metade por se tratar de réu agente público e vítima adolescente -, 78 sofreram lesões leves e 25 maus-tratos, apesar de sem marcas. Nesses dois casos, a pena vai de 2 a 8 anos, mais um terço à metade. A Promotoria pede que se responsabilize cada funcionário pela tortura de todos os internos, somando as penas.

Já a pena por omissão é de 1 a 4 anos de detenção, mais um terço por se tratar de adolescentes. É a primeira vez que se pede também responsabilização de quem não participou ativamente da tortura. "Esse é um marco novo", diz o promotor Alfonso Presti. "Que tem por objetivo quebrar o círculo vicioso da pedagogia da barbárie que há na Febem."

Entre os denunciados por tortura, há funcionários que não poderiam estar em contato com adolescentes. Como um ex-PM expulso da polícia depois de condenado pela Justiça Militar. Ele perdeu o cargo após ser flagrado tentando extorquir R$ 3 mil de um motorista sem habilitação. Está na Febem desde 2003.

Outro ex-diretor da unidade, também proibido de lidar com jovens, teria sido chamado das férias para formar um grupo de funcionários e pôr em prática na Vila Maria o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), semelhante ao que já existe no sistema penitenciário, com rotina mais rígida e maiores períodos de tranca. No dia 9, foi proibido pela direção da Fundação de entrar na unidade. Mas foi também apontado por adolescentes como um dos agressores no dia 11.

Segundo a denúncia, o RDD foi mencionado por uma testemunha e previa a adoção de, entre outras medidas, um efetivo maior de funcionários e realização de revista da Tropa de Choque na unidade. A sessão de tortura do dia 11 teria ocorrido exatamente após os policiais deixarem o complexo. E cogita-se que tenha envolvido também gente de fora, embora todos os documentos sobre entrada e saída de pessoas da unidade tenham desaparecido. Presti lembra ainda que pelo menos quatro funcionários também se insurgiram contra a pancadaria e foram excluídos da lista de denunciados.

A Assessoria de Imprensa da Febem informa desconhecer a origem da informação sobre o RDD, pois se trata de regime do sistema prisional vetado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diz, porém, que está criando unidades especiais para maiores de 18 anos com perfil agressivo, onde haverá "reforço de atividades pedagógicas". E que se surpreendeu com o depoimento da testemunha, que será convocada hoje a prestar depoimentos sobre suas declarações e explicar porque convidou para trabalhar na unidade um funcionário que já havia se envolvido com maus-tratos e cuja entrada foi proibida pela direção. Em relação ao ex-PM, prometeu levantar a documentação que ele apresentou para ser admitido e verificar se apresentou antecedentes.