Título: Brasil e Argentina adiam negociações
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2005, Economia, p. B4

O subsecretário de Integração da Argentina, Eduardo Sigal, anunciou ontem que seu governo e o Brasil adiaram para abril a reunião marcada neste mês para discutir a aplicação de mecanismos que evitem "desequilíbrios" comerciais. As discussões sobre a implementação de um sistema permanente para evitar "desequilíbrios" ou "assimetrias" (denominações dos argentinos) arrastam-se desde setembro de 2004. Representantes dos dois países já se reuniram duas vezes (dezembro e janeiro) e não chegaram a um consenso. Em uma reunião de coordenadores do Mercosul em Assunção, no Paraguai, Sigal explicou que a agenda está muito "cheia" e, por isso, o encontro ficará para mais tarde. Até lá, a Argentina prepararia uma contra-proposta à contra-proposta entregue dias atrás pelo Brasil, que modifica a proposta original da Argentina apresentada em setembro passado. O destaque da proposta argentina era a implementação de salvaguardas comerciais (hoje proibidas no Mercosul, por ferirem o espírito de livre comércio do bloco).

A contra-proposta brasileira foi alvo de uma saraivada de objeções por parte dos negociadores em Buenos Aires. O Brasil propôs um sistema temporário de salvaguardas, mas a idéia desagrada aos argentinos, que exigem "mecanismos permanentes". Outro ponto rejeitado foi a sugestão brasileira de que o mecanismo precisaria de uma decisão "compartilhada" pelos dois países para ser aplicado. Os argentinos preferem aplicar as salvaguardas de forma unilateral.

VINHO E ARROZ

Até ontem, o governo Néstor Kirchner não havia emitido comentários sobre a eventual aplicação de restrições brasileiras à entrada do arroz, vinho e farinha de trigo da Argentina. Mas, desde o ano passado, existe o temor em Buenos Aires de que o Brasil use esses produtos para retaliar as medidas protecionistas argentinas contra os eletrodomésticos brasileiros - que vão da aplicação de licenças não-automáticas a taxas alfandegárias extras.

Nos últimos oito meses, por meio de ameaças de aplicar graves restrições, Kirchner forçou negociadores e empresários brasileiros a aceitar autolimitações de vendas para o país por meio da aplicação de cotas.

O cenário nas negociações tende a ficar tenso. A equipe de negociadores argentinos recebeu há poucas semanas um novo integrante, o secretário da Indústria e Comércio, Miguel Peirano, considerado de perfil "duro" em relação ao Brasil. Antes de chegar ao cargo, foi assessor da União Industrial Argentina, principal articulador dos pedidos protecionistas.

Além disso, Kirchner estará nos próximos meses mais aberto a esses pedidos, pois enfrentará em outubro decisivas eleições parlamentares. Neste caso, usar o Brasil como bode expiatório dos problemas locais sempre rende votos nos setores mais nacionalistas do eleitorado argentino.