Título: Caminho sem volta
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Editoriais, p. A3

Vale a pena continuar batalhando pela Rodada Doha, a maior negociação comercial empreendida até hoje? A resposta é positiva, principalmente para as economias em desenvolvimento, e países como o Brasil podem estar entre os principais ganhadores, segundo os economistas Kim Anderson e Will Martins, autores do estudo Reforma do Comércio Agrícola e a Agenda de Desenvolvimento de Doha, parte de uma coletânea patrocinada pelo Banco Mundial. Uma visão menos otimista é oferecida pelos economistas Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho e Mark Horridge, o primeiro da USP, o segundo da Universidade Monash, da Austrália.

Segundo eles, a reforma do comércio global contribuirá de forma limitada para reduzir o número de brasileiros pobres e para atenuar as disparidades sociais que caracterizam o País. Eles apresentam essas conclusões num trabalho produzido para aquela mesma coletânea e intitulado A Rodada Doha, a Pobreza e a Desigualdade Regional no Brasil. Haverá ganhos significativos para as atividades ligadas ao agronegócio, segundo esse estudo, mas outros setores perderão e a economia dos Estados mais industrializados, como São Paulo e Rio de Janeiro, tenderá a encolher.

Mesmo sem uma avaliação exaustiva dos dois trabalhos, uma conclusão parece inevitável: não há alternativa para a integração do Brasil na economia mundial. O País está condenado a trabalhar para ser um grande exportador e importador. Não pode fechar-se novamente, nem deixar de ajustar-se a um ambiente geral de competição cada vez mais dura. A integração é o caminho escolhido pelas grandes potências e por aquelas que disputam lugar nas divisões mais importantes, como a China, a Índia e a Rússia.

O jogo está aberto, queira ou não o Brasil, e é preciso torná-lo menos dependente da vontade de alguns jogadores. Levar adiante a Rodada Doha não é uma escolha, mas o mero reconhecimento da realidade.

Embora sofisticado, e por mais competentes que sejam seus autores, o estudo a respeito do Brasil tem uma limitação importante, reconhecida pelos dois professores. É uma comparação estática entre duas situações. Não inclui, e eles apontam esse detalhe, os efeitos dinâmicos da liberalização comercial. Não se incluem, nas suas hipóteses, nem a mudança de orientação de muitas empresas, que atuam de forma crescente no comércio internacional, nem os efeitos de uma política de competitividade, que se articula de forma progressiva. Importantes setores da indústria têm pressionado o governo por maiores avanços em todas as negociações comerciais.

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, esteve nos Estados Unidos, nos últimos dias, para reuniões com empresários e com o ministro interino do Comércio Exterior, Peter Allgeier, e defendeu maior esforço para formação da Alca. Não foi uma bravata, mas a demonstração de uma nova atitude do empresariado. É um dado mais significativo que muitas estatísticas.

As avaliações contidas no estudo a respeito do Brasil podem valer, no entanto, como repetição de uma advertência: é preciso fazer muito mais do que se tem feito, até agora, para dar à indústria brasileira o necessário poder de competição.

Quanto aos efeitos sobre a pobreza, a conclusão não é surpreendente: outros estudos indicaram, nos últimos anos, que o crescimento econômico, sem outras mudanças, é insuficiente para mudar o quadro de forma significativa, dado o altíssimo grau de concentração de renda. Mas é preciso levar em conta que uma política de competitividade tem de envolver investimentos sociais - na educação fundamental, por exemplo - tendentes a reduzir as desigualdades. Também quanto a isso não há escolha.

O outro estudo, o mais otimista, chega a conclusão compatível com o que se aprendeu, em todo o mundo, sobre os efeitos dinâmicos da abertura econômica. Sua principal novidade talvez seja a observação de que os maiores ganhos para as economias emergentes virão do acesso ao mercado e não da eliminação dos subsídios agrícolas concedidos no Primeiro Mundo. Isso vale tanto para o comércio de produtos agrícolas quanto para o intercâmbio de bens industriais. Talvez os negociadores brasileiros devessem dar maior atenção a esse ponto - sem deixar de batalhar, no entanto, pela extinção dos subsídios.