Título: O governo se esconde
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Editoriais, p. A3

Para não enfrentar as resistências políticas que são mais fortes justamente no seu partido, o PT, o governo adotou uma posição ambígua em relação à proposta de institucionalização da autonomia operacional do Banco Central (BC). Oficialmente diz que, pelo menos neste ano, o tema não está entre suas prioridades. Mas preservou o espaço para que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pudesse buscar outros caminhos que levem à autonomia do BC. E o ministro o tem utilizado de maneira competente e conseguido algum avanço. Reuniu-se com senadores do PMDB e com eles acertou uma estratégia que pode contornar as resistências petistas à idéia. Um projeto, assinado pelo senador Ney Suassuna (PMDB-PB), tramitará inicialmente no Senado, onde proporcionalmente é menor o número de opositores à autonomia. Se o projeto fosse do Executivo, a tramitação começaria necessariamente pela Câmara, onde são mais fortes as resistências.

A persistência com que Palocci vem procurando colocar em debate a questão no Congresso é coerente com a posição que ele e seus principais auxiliares defendem desde o início do governo Lula. Do ponto de vista operacional, o BC já age com autonomia. Mas, por falta de instrumentos formais que a protejam, esta autonomia depende da boa vontade do governo. A institucionalização da autonomia do BC reduziria as incertezas a respeito da condução da política econômica e poderia resultar numa redução dos custos financeiros no País. Por isso, ela foi colocada entre as reformas que o Ministério da Fazenda pretende ver aprovadas ainda neste ano e que são consideradas essenciais para consolidar a estabilidade econômica e pavimentar o caminho para o crescimento sustentado.

Embora o governo não tenha incluído esse tema na mensagem enviada ao Congresso por ocasião da abertura dos trabalhos legislativos de 2005 e na qual lista os projetos cuja aprovação considera prioritária neste ano, o ministro da Fazenda considerou importante discuti-lo com políticos e com seus companheiros de governo, para convencê-los da importância do assunto. Há pouco menos de um mês, Palocci defendeu a proposta de autonomia do BC numa reunião no Palácio do Planalto com diversos ministros, entre eles José Dirceu, da Casa Civil, Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, e Jacques Wagner, secretário-geral do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

São numerosos e sólidos os argumentos em favor da institucionalização da autonomia operacional do Banco Central. Se seus dirigentes tivessem mandato fixo, e não coincidente com o do presidente da República e dos congressistas, teriam mais segurança para decidir os rumos da política monetária. Ficariam livres da influência política, o que reduziria grandemente o risco de adoção de políticas populistas nessa área essencial para assegurar a estabilidade econômica. "Não devemos politizar questões técnicas da área econômica do governo", disse há algum tempo o deputado Paulo Bernardo (PT-PR), que analisa o tema com racionalidade, e não com emocionalismo ou preconceitos ideológicos, como faz boa parte de seus companheiros de bancada. "A sociedade detesta ver o patamar em que os juros estão, mas detesta ainda mais a politização desse tipo de questão."

É por isso que a proposta tem grande apoio entre economistas da área privada. Ela também é defendida por muitos parlamentares. Mas provoca reações iradas da ala esquerda do PT, partido que decidiu fechar questão contra a autonomia do BC, e mesmo de políticos de outros partidos.

Sua aprovação não seria tarefa fácil mesmo que os membros mais influentes do governo, de maneira homogênea, se movimentassem nesse sentido. A omissão do governo, a começar pela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deixa Palocci isolado nessa batalha, o que torna ainda mais difícil a obtenção da maioria a seu favor.

A apresentação do projeto por um senador é uma saída confortável para o governo. Não se mete num assunto que divide seu partido e que lhe custaria críticas caso assumisse a autoria ou mesmo a defesa explícita de um projeto de autonomia para o BC. Nesse caso, o governo agiu movido por puro oportunismo político. Para ficar de bem com a parte mais atrasada do PT, omitiu-se a respeito de um assunto dessa importância. Faltou-lhe grandeza.