Título: Cachaceiro é lenda em João Alfredo
Autor: Eugênia Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Nacional, p. A8

O "cachaceiro de João Alfredo", personagem que o Brasil inteiro conheceu e comentou, é uma lenda, não é alguém visível, palpável. "É um H", definiu o ex-pedreiro e ex-vereador José Édson da Silva, o Edinho da Moenda. "Conheço João Alfredo em peso, nunca soube quem era esse rapaz", afirmou ele ao garantir que a história do cachaceiro já havia sido contada pelo deputado Severino Cavalcanti em outros comícios. "Ninguém sabe se isso é verdade ou invenção, o deputado conta para dizer que é poderoso", avaliou. Lucas José do Nascimento, eleitor de Severino, também já tinha ouvido falar no cachaceiro. "A intenção dele é a de dizer que abraça um conterrâneo seu em qualquer lugar, mas é claro que ele não iria proteger marginais."

Segundo Silva, que foi vereador três vezes, há cerca de seis anos o deputado citou o cachaceiro em um discurso, dizendo que o bar havia sido quebrado em Brasília (ou em São Paulo, ele não lembra). "Esse cachaceiro pode até existir, mas aqui ele não vive e não foi nenhum bar de João Alfredo que ele quebrou."

Na sua fala, no dia 5, Severino, em sua primeira visita a João Alfredo como presidente da Câmara, disse aos conterrâneos que o novo cargo não mudaria em nada a relação com seu povo, que continuaria a ter acesso a ele e a possuir o seu cartão de visita. E ilustrou com o caso do cachaceiro que quebrou um bar e livrou-se de ser preso porque pediu para ligarem para o parlamentar, que se comprometeu a pagar o prejuízo de R$ 400. A atitude, segundo ele, teria gerado o comentário do proprietário de nunca ter visto um deputado ajudar um cachaceiro. "Mas é um cachaceiro de João Alfredo", retrucou Severino, arrancando aplausos da multidão.

No discurso, ele citou apenas que o cachaceiro era de Ribeiro Grande, distrito de João Alfredo, a cerca de 120 quilômetros do Recife. Em Ribeiro Grande, ninguém sabia do tal, nem tinha conhecimento de quebradeira em bar. Um outro "bem informado" da região deu a dica: "Houve um quebra-quebra no bar de Edinho da Moenda. Se não foi lá, foi no bar de dona Maria, na praça principal".

Edinho, dono da churrascaria Moenda, confirmou que houve um quebra-quebra em 2000, sem nenhuma ligação com Severino. Dona Maria, "graças a Deus", nunca viu briga no seu bar em mais de 30 anos de funcionamento. "Ele deve ter inventado essa história para mostrar sua influência e poder, só que de forma errada, apoiando quem faz coisa errada", afirmou Eliathah Cordeiro, assessor da prefeitura do PFL. Os correligionários de Severino também desconheciam o cachaceiro.

O vereador Wilson França, líder do PP na Câmara Municipal, tem uma lista de quase 200 eleitores que esperam o novo cartão de visita do deputado, como presidente da Câmara. "Eles plastificam o cartão e levam no bolso", disse ele, ao lembrar que Severino é tido como um "paizão" pelo povo.

A história de que o deputado teria livrado um "toioteiro" - motoristas de Toyota que conduzem passageiros da região - de ser autuado por estar com a carteira de habilitação vencida foi motivo de piada. "O pessoal diz que não tem problema estar com a documentação irregular, porque é só pegar o cartão do deputado e dizer para o guarda 'vou ligar para vovô'".

Mas nem todos aprovam. O toioteiro Antonio Vicente Ferreira deixou de pagar uma multa de R$ 2,3 mil porque teve ajuda do pessoal dos Cavalcanti. "Eu tinha de levar um doente ao hospital, mas se não fosse o deputado nem saberia como liberar o carro." A Companhia de Transportes Urbanos da Cidade do Recife (CTTU) e o Detran garantiram, através de suas assessorias, que não recebem assédio nem intervenção de políticos para cancelar multas.