Título: Convênio irregular mantém cubanos no Tocantins
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Nacional, p. A12

"É ilegal, mas não imoral", admite o secretário de Saúde Gismar Gomes, ao ser questionado porque 104 médicos cubanos trabalham no Tocantins num convênio irregular. Governo federal, Conselho Regional de Medicina e Ministério Público Federal já condenaram a forma de contratação desses profissionais, a maioria deles sem registro exigido por lei. O Estado insiste nos convênios porque afirma que sem eles seria impossível oferecer saúde à população. Os médicos cubanos chegaram a partir de 1997. Desde então, o CRM tenta acabar com esses convênios, que prevêem salários iguais aos dos brasileiros e mesma jornada de trabalho. A diferença é que os cubanos têm direito a uma passagem aérea ida-e-volta para Havana uma vez por ano. Acabam indo para cidades do interior, muitas delas onde não há brasileiros dispostos a trabalhar.

Para um médico cubano, o salário brasileiro é uma fortuna. Os atuais R$ 4.500 por 40 horas semanais equivalem a quase 50 vezes a remuneração em Cuba. Muitos são obrigados pelo governo de Fidel Castro a enviar metade do que recebem para a ilha do Caribe. Cumprem a medida com determinação. Nada disso, contudo, os deixam mais contrariados do que saber que estão praticando medicina ilegal no País.

"É muito humilhante, porque não chegamos aqui por conta própria, mas por um convênio diplomático", diz o médico Henrique Damian, de 39 anos. Desde janeiro, ele trabalha em Fortaleza do Tabocão, depois de quatro anos em Aparecida do Rio Negro. Saiu de lá porque o atual secretário municipal não quis compactuar com a irregularidade. Já o secretário de Fortaleza do Tabocão, Manoel Pereira de Moraes, não se importa. "Eles estão dispostos a trabalhar, mais que os brasileiros, e custam menos para a prefeitura."

O médico Cirilo Alberto Sanchez Sueque, de 59 anos, está ameaçado de perder seu emprego em Porto Nacional. Seu contrato vence na terça-feira, porque a prefeitura decidiu não renovar com os cubanos. Sueque procura uma nova cidade, mas já decidiu, como muitos outros de seu país, se casar com uma brasileira. Terá assim o visto de permanência e não precisará pagar a taxa ao governo cubano. "Há muita demora para revalidarem nossos diplomas."

Cuba tornou-se uma potência exportadora de doutores. Há mais de 20 mil médicos cubanos no mundo todo. A maioria com base em convênios, como os do Tocantins e o que o Rio Grande do Norte estuda implementar. Mas o que há de tão especial na medicina cubana que interessa a autoridades de vários países - além da mão-de-obra mais barata?

"O conhecimento técnico e prático deles é muito bom e voltado para a prevenção", garante a médica Elanice Costa Torres, recém-formada na Universidade de Havana. Os cubanos têm dois anos de ensino teórico, depois três com práticas em hospitais e um ano final de internato. Todo formado tem, nos dois anos seguintes, de realizar a medicina social, um equivalente ao programa saúde da família brasileiro. Só então pode fazer a especialização.

Por essa bagagem, os cubanos que chegaram foram enviados aos rincões. Nada muito diferente do que já faziam em Cuba. (E.N.)