Título: Prova definirá se médicos formados no exterior poderão trabalhar no País
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Nacional, p. A12

Nos próximos dias, o governo federal vai definir um novo sistema para revalidar diplomas obtidos em faculdades e universidades de medicina no exterior. Uma prova unificada e nacional aferirá quem entre os que estudaram fora pode ou não ser doutor. Os médicos estrangeiros que já atuam ilegalmente no Brasil também terão de fazer o exame. A medida servirá ainda para os 600 brasileiros bolsistas em Cuba, matriculados na Escuela Latinoamericana de Medicina (Elam) e cuja primeira turma se forma em agosto. No caso de Cuba, a Elam vai oferecer disciplinas optativas ensinando o Sistema Único de Saúde e as doenças epidemiológicas mais freqüentes no Brasil. A idéia é aumentar as chances de esses bolsistas passarem na prova unificada. "Esse é um problema humano. Temos direito de tratar de maneira diferenciada", diz Nelson Maculan Filho, secretário do Ensino Superior do Ministério da Educação. O governo cubano pagou os estudos desse grupo de brasileiros.

Não haverá revalidação automática dos diplomas nem nenhum tipo de anistia a médicos estrangeiros ilegais, como defendiam associações da categoria. A decisão tentará dar um basta à falta de regras na área, situação que se arrasta desde 1999.

Mais de mil médicos atuam ilegalmente no País. É um número pequeno se comparado aos 292 mil profissionais em atividade. Porém gigantesco, quando se descobre que eles não têm registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), o governo sabe que agem irregularmente e muitos só estão cuidando de pacientes após terem conseguido autorização judicial. Formam um batalhão que não pára de crescer.

Esses profissionais estão ilegais porque cursaram faculdades e universidades do exterior, mas não revalidaram seus diplomas. Milhares de brasileiros têm optado por estudar em países como Cuba, Bolívia, Peru, Argentina, Colômbia e México. Fogem dos concorridos vestibulares do Brasil e pagam por uma formação em instituições nem sempre renomadas ou reconhecidas. Já o segundo grupo é constituído de uma maioria de cubanos, peruanos, bolivianos e colombianos.

Há anos, esse vaivém de estudantes e profissionais estrangeiros acaba no Brasil. Chegam atraídos por melhores salários e amparados pela falta de fiscalização das autoridades. Muitos simplesmente cruzam a fronteira e oferecem seus serviços às pequenas cidades do interior. Diante da extrema carência de recursos e profissionais de saúde dispostos a trabalhar nesses locais, os prefeitos os acolhem de bom grado. "Eles são mão-de-obra barata e no caso dos cubanos nunca reclamam de nada", diz Alceu José P. Pimentel, diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM).

SEM REGISTRO

Um levantamento nos cinco Estados onde a situação é mais crítica, segundo os CRMs, descobriu que há quase 800 médicos trabalhando com registros obtidos de forma questionável ou, simplesmente, sem registro nenhum (ver quadro). Parte deles é formada por brasileiros que estudaram fora do País. Por lei, devem cumprir as mesmas exigências dos estrangeiros com relação à comprovação de seus estudos.

É importante ressaltar que não ter o registro do CRM não significa má prática profissional. O erro ocorre, e muito, com médicos regularmente inscritos nos conselhos. Para pessoas como a parteira Arcanja Josefa dos Santos, de 82 anos, não faz muita diferença se o médico tem diploma reconhecido no País. "Para mim, esse doutor tem sido muito bom. Passa os remédios certinho e vem me ver."

O doutor é Urbano Cantillo Vila, um cubano de 38 anos, há 3 vivendo em Palmeirante, no norte do Tocantins. Ele é o único médico da cidade, mas não possui CRM. Tem de atender os 3 mil habitantes, na maioria das vezes no posto médico. Reclamações não faltam. Inclusive as dele, que preferia visitar mais os pacientes, atuando na prevenção de doenças.

Segundo o CFM, existem 3,7 mil médicos estrangeiros trabalhando legalmente no Brasil, dos quais 1,7 mil em São Paulo. Mas há os ilegais, a maioria deles de latinos. Eles entram via residência médica, pelos cursos de especialização ou por convênios com universidades e associações de classe. Têm um prazo fixo de permanência, mas muitos acabam ficando. Alguns viram clandestinos.

De 2001 até o mês passado, o conselho de São Paulo registrou 368 denúncias de exercício ilegal da medicina. "Esses são casos denunciados, pelos colegas ou por pacientes que se sentiram lesados. O universo real é muito maior", diz o presidente do órgão, Isac Jorge Filho. Segundo ele, os profissionais trabalham em clínicas na periferia da capital ou nas cidades menores e isoladas.