Título: Para validar diplomas, mentira e falsificação
Autor: Flávio Ilha eLilian Primi e Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Nacional, p. A13

Para conseguir um registro de médico no Brasil vale mentir e falsificar documentos. Escritórios de advocacia se especializam em entrar com processos para revalidar diplomas obtidos no exterior para que seus clientes possam exercer a medicina. Há 25 doutores no Tocantins que conseguiram a revalidação no Rio Grande do Sul. Outros 80 do Acre fizeram isso no Tribunal Regional Federal (TRF) do Amazonas. Como não passam nas provas, recorrem à Justiça. O total de diplomas de faculdades estrangeiras revalidados "por força de lei" já chega a 235. O Ministério Público Federal gaúcho investiga 94. Para o procurador Roberto Oppermann Thomé, há "indícios veementes" de que as ações foram baseadas em dados falsos.

A investigação visa a parar a enxurrada de ações que obriga a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a do Amazonas (Ufam) a liberarem diplomas. Nos últimos meses, segundo a UFRGS, foram revalidados 155 diplomas - a maioria de estrangeiros - por determinação da Justiça, sem necessidade de equivalência curricular ou prova de conhecimentos. As decisões são provisórias e cabem recurso judicial. "São ações baseadas numa situação de emergência normalmente forjada pelos advogados", diz Marco Antônio Becker, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers).

O desembargador Edgard Lippmann Júnior, do TRF da 4.ª Região, já identificou cinco ações judiciais que se valem de documentos ou endereços falsos. "Isso caracteriza a utilização indevida da Justiça para legalizar diplomas estrangeiros." A denúncia é reforçada pelo Cremers: de 25 médicos com registro profissional baseado em ações no órgão, mais da metade solicitou transferência de domicílio no dia seguinte.

As ações no TRF da 4.ª Região iniciaram a partir do fim de 2002 e no Amazonas, em 2003. São de brasileiros e estrangeiros formados na Bolívia, no Equador, em Cuba, no México e no Paraguai.

A maioria foi trabalhar no Paraná, Santa Catarina, Alagoas, Sergipe e Pernambuco. Fora os 25 que estão no Tocantins e 1 em Mato Grosso. "Temos ainda 104 cubanos que ganharam na Justiça um prazo para se legalizar", conta Solimar Pinheiro da Silva, presidente do Conselho Regional de Medicina do Tocantins (CRM-TO).

Alguns já conseguiram obter o registro de médico no Brasil. É o caso do cubano Virgilio Lazaro Rodrigues Oquendo. "Dizem que a contratação de estrangeiros acabará com o emprego dos brasileiros. É mentira", diz o neurocirurgião. "Está demonstrado que onde se melhora a saúde, aumenta a quantidade de trabalho."

Para a aposentada Izabel Batista dos Santos, é revoltante que médicos exerçam a profissão, mas não possam ser responsabilizados. O seu filho Manoel Ribeiro de França foi internado numa manhã de 2001 com um ferimento no joelho. À noite, morreu de parada cardiorrespiratória. Na mesa de cirurgia, uma médica cubana que jamais será julgada se agiu certo ou errado. O CRM-TO garante que não.