Título: Hezbollah torna-se peça-chave
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Internacional, p. A17

Depois da gigantesca manifestação pró-Síria que reuniu um número de pessoas maior do que o de todas as anteriores da oposição, o Hezbollah surge como uma força política incontestável sem a qual nenhuma solução será possível para a crise político-institucional que envolve atualmente o Líbano. É a opinião de Elias Sanbar, do Instituto de Estudos Palestinos de Paris e autor do livro Os Palestinos no Século (edições Gallimard). Em entrevista ao Estado, ele interpreta a manifestação não como apoio a permanência das tropas sírias no Líbano, mas, na verdade, um "adeus" a elas. O Hezbollah tem revelado disposição de participar da reorganização política do país, que assiste a uma explosão demográfica xiita. Antes minoria, hoje eles já são majoritários.

O Hezbollah é hoje a principal força política libanesa, que conseguiu expulsar as forças israelenses do sul do país. Trata-se também de uma organização que encontra sua principal base de apoio no Irã. Isso preocupa os Estados Unidos, que exigem o desarmamento da milícia do Hezbollah.

Para Sanbar, essa é uma ocasião única, desde que os americanos deixem de exercer fortes pressões, para integração do grupo na vida política do país. Ele destaca que, se os EUA persistirem em exigir a aplicação na íntegra da resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, que inclui o desarmamento da milícia, não haverá solução para a crise.

Com o sr. analisa a manifestação pró-síria do Hezbollah?

O número de manifestantes não chega a surpreender. O que mais chama atenção é a importante transformação demográfica ocorrida no Líbano nesses últimos anos. Hoje a população xiita é majoritária. Esse movimento reflete o novo equilíbrio político do país. O discurso do Hezbollah marcado pelo apoio ao regime sírio reflete mais um agradecimento, uma mensagem de adeus à Síria, que deve se retirar. O discurso do xeque Nasrallah não deve ser interpretado como o de alguém que pretende a manutenção da presença síria, mas sim o contrário, o fim dessa presença. Ele pretendeu dizer que se encontra em posição de força e o novo poder deve se organizar também em torno do Hezbollah, disposto a participar do jogo político. Não se trata, portanto de um confronto ou de guerra civil, como alguns chegaram precipitadamente a imaginar. Os libaneses compreenderam perfeitamente a situação.

Após a eventual retirada Síria, os Estados Unidos parecem dispostos a exigir que a milícia do Hezbollah seja desarmada. Quais seriam as conseqüências ?

Essa é uma preocupação do Hezbollah, daí as advertências lançadas. Hoje, toda a oposição nacional defende uma negociação com o Hezbollah para sua integração política, mantendo contatos, inclusive, para a constituição de um governo de união nacional. Uma coisa é certa: os libaneses não querem mais ouvir falar em guerra civil e, nesse contexto, garantir um acordo político com o Hezbollah é indispensável.

No Ocidente, muitos se surpreenderam com a expressiva manifestação do Hezbollah, o que revelou uma divisão do país.

O país está dividido, daí a necessidade de negociações, de diálogo, de união, para evitar uma nova guerra civil, o que a maioria absoluta dos libaneses rejeita. Existe uma unanimidade para que se resolva a crise sem confronto. Esse é um aspecto novo da vida política libanesa. As cisões ainda existem, mas há um esforço para superá-las, daí a importância da posição americana. Tudo vai depender da insistência dos EUA em desarmar o Hezbollah. Esse é um problema mais regional do que nacional, cuja solução depende da própria solução do conflito do Oriente Médio. Nesse momento, o Hezbollah é intocável, pois se ocorrerem novas pressões dessa natureza, ele poderá endurecer posições, dificultando uma solução.

Depois da manifestação, o presidente libanês convocou o primeiro-ministro demissionário pró-sírio Omar Karami a formar um novo governo. Ele teria condições de conduzir esse processo após ter sido forçado a pedir demissão na esteira dos protestos de rua da oposição?

A oposição não quis participar das negociações para a escolha de um novo governo. O fato dos pró-sírio terem reapresentado Karami revela a existência de uma crise. Esse dado e também a posição dos EUA que pode fazer novas pressões sobre o partido xiita libanês pesam muito. O conjunto das pressões americanas, francesas e de outros países, que insistem na aplicação pura e simples da Resolução 1559, poderá conduzir a uma armadilha perigosa.

Isso quer dizer que nesse momento, o Hezbollah é o partido- chave de toda evolução do processo político n Líbano?

O Hezbollah é o principal partido, não deve e não pode ser subestimado. Afinal, foi esse movimento que conseguiu liberar o território nacional. Graças a seu combate, os israelenses foram obrigados a deixar o país. No Líbano, ele não é visto como uma organização terrorista, como alguns no exterior pretendem apresentá-lo. Se as pressões dos EUA cessarem e se houver uma chance de ele se apresentar como simples partido político, representativo da população, a direção do Hezbollah não vai perdê-la. Nas futuras eleições, o Hezbollah poderá se encontrar numa posição de força no novo Parlamento.

Qual a influência do grupo junto à Jihad Islâmica e ao Hamas na Palestina e que papel poderá desempenhar nas negociações de paz entre palestinos e israelenses?

A força do Hezbollah não é a Jihad Islâmica nem o Hamas. Ela vem do Irã. É nesse país que se encontra o seu grande apoio. As boas relações do Hezbollah com a Jihad e o Hamas passam também pelo apoio iraniano.

Alguns partidos da oposição sugerem que as milícias do Hezbollah poderiam integrar o Exército libanês. Acredita nessa possibilidade?

Se os americanos continuarem exigindo o cumprimento integral da Resolução 1559 não haverá solução. É preciso que eles se concentrem na retirada das tropas sírias. A milícia poderá até integrar as Exército libanês desde que haja um acordo global, nacional e regional (que inclua uma solução para o problema do Oriente Médio). Jamais mediante recurso à força.