Título: 'Temos ferramentas para resolver a emissão de gases'
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Vida &, p. A24

Enquanto o planeta esquenta por causa da ação perigosa do homem no ambiente, a temperatura também aumenta nos laboratórios, onde investimentos governamentais e privados incitam uma corrida informal por novas tecnologias que possam mitigar o problema e coibir a emissão de carbono na atmosfera, principalmente o CO2 (gás carbônico), produto da geração de energia tal como o homem conhece hoje. Na raia contrária, corre o físico Robert Socolow, professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Ele e o ecólogo Steve Pacala, da mesma instituição, publicaram no ano passado no periódico científico Science (www.sciencemag.org) a sugestão de que o mundo deve investir em terrenos já conhecidos. Segundo os dois, a humanidade possui suficiente conhecimento para limitar as emissões de carbono nos próximos 50 anos - conselho dado às nações pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), ligado às Nações Unidas, para lidarem com o problema climático neste século.

Dentro da universidade, Socolow dirige o projeto Iniciativa para Mitigação do Carbono, que recebe US$ 2 milhões por ano das companhias Ford (automobilística) e BP (petrolífera) para propor caminhos que unifiquem o ciclo do carbono com políticas e tecnologias contra as mudanças climáticas. "É emocionante entender apenas um pouco sobre a situação humana e perceber o tamanho do desafio." A seguir, trechos da entrevista de Socolow ao Estado.

As tecnologias existentes são suficientes para o homem gerenciar o problema climático?

A humanidade já possui as ferramentas para resolver o problema da emissão de carbono pelos próximos 50 anos. Mas precisamos ser cuidadosos ao definir "tecnologias existentes". É útil distingui-las em três categorias: na primeira, estão aquelas largamente usadas em todos os países; na segunda, as que são comercializadas em alguns países e disponíveis para sua utilização de forma mais ampla; e na terceira, as que ainda estão no laboratório, com possibilidades incertas. A primeira e a segunda categorias estão sob o chapéu de "existentes". Há tecnologias importantes na categoria três, ainda no laboratório, ou talvez nem foram planejadas ainda, que poderiam oferecer grandes contribuições na segunda metade do século. Mas não precisamos esperar por tais tecnologias para começar a lidar com a questão.

Se não precisamos esperar, por que se demora tanto para lidar com a questão ambiental?

A mudança climática é um problema gigantesco. Lidar com ela desafia o estilo de vida de todo mundo e como o planeta se organiza. A reunião ECO-92, no Rio, foi o primeiro passo dado pelos governantes, mesmo com os cientistas apontando para a questão desde a década de 1960. Desde então, o mundo gerou o Protocolo de Kyoto, o sistema de crédito de carbono europeu e grandes projetos de pesquisa e desenvolvimento. Graças à mídia, milhares de pessoas estão cientes do problema e pensam em respostas. O desafio agora é sustentar o momento, não o desencorajar.

O que seria mais barato: empregar as tecnologias que já existem ou criar outras?

Duvido que alguém saiba responder. A pergunta é parecida com a seguinte: como escolher entre tipos diferentes de investimento? Pessoas ricas são aconselhadas a variar, colocando mais dinheiro em investimentos de baixo risco e algum em investimentos agressivos. Não seria sábio ignorar as tecnologias do laboratório, assim como não seria sábio esperar por elas. O mundo é rico o suficiente para tomar os dois caminhos.

As tecnologias limpas existentes ainda são mais caras do que poderiam ser?

Quase toda tecnologia é muito mais cara do que será no futuro, principalmente as menos usadas. Primeiro, o mundo está repleto de pessoas espertas, que quando focam em um problema têm diversas pequenas idéias. Acumuladas, elas tornam um projeto muito melhor. Segundo, a capacidade tecnológica do mundo melhora de forma geral. Mas não é certo que os custos cairão. Eles podem subir à medida que um problema maior seja conhecido.

O premiê britânico, Tony Blair, espera levar os Estados Unidos de volta para o debate ambiental usando a liderança americana no desenvolvimento de novas tecnologias como arma de persuasão. Não é contraditório observar que Grã-Bretanha e EUA querem investir em um nicho desnecessário enquanto todo o mundo, inclusive os dois países, enfrenta uma questão tão urgente como a mudança climática?

O programa americano combina itens da categoria dois, como uso de gases da queima de carvão, conversão de biomassa em energia, armazenamento geológico de CO2 e energia eólica, e da categoria três. Blair está correto em trazer os EUA para o debate por reconhecer o valor do programa de pesquisa americano. O problema urgente da mudança climática exigirá mais uso de tecnologias que estão disponíveis agora em apenas alguns países. Um exemplo é o programa de biocombustível no Brasil, baseado na cana-de-açúcar. É uma inspiração para o mundo, mas pode ser beneficiado pelo desenvolvimento de novas tecnologias, como a produção de eletricidade e outros combustíveis além do etanol. E a replicação do programa em outros países exigirá adaptação. Tudo isso somado a um programa de pesquisa de biomassa, um programa que melhoraria as tecnologias existentes.

O Brasil tem orgulho do programa com a cana-de-açúcar. Porém, a monocultura é apontada como uma das forças destrutivas de alguns pontos da mata atlântica. Como equilibrar o investimento em biomassa, que exige áreas cultivadas mais extensas, com o crescimento do desmatamento?

Toda tecnologia pode ser usada de forma incorreta. A cura pode ser pior que a doença. Conseguiremos ser suficientemente espertos para lidar com a mudança climática sem piorar outros problemas? Usar a terra de forma inteligente talvez seja o grande desafio. Preocupo-me particularmente com a perda da biodiversidade à medida que mexemos na terra.

Que tecnologias reduziriam a emissão de CO2 sem perda de capacidade energética nem interferência negativa no setor produtivo?

Os melhores exemplos estão no campo de eficiência energética, pois a mudança climática pode ser atacada não apenas no fornecimento de energia. Construímos prédios, aparelhos de ar-condicionado e aquecedores de água com ênfase em custos baixos da construção, em vez de minimizar os custos totais, que incluem a operação dos equipamentos elétricos. Podemos criar prédios e equipamentos melhores e encontrar oportunidades para investir na eficiência energética em fábricas e no setor elétrico, como nas refinarias e usinas. A mudança climática tem recebido atenção porque espera-se que existam impactos negativos no "setor produtivo", como na agricultura e na quantidade de água disponível. Se não existissem custos econômicos envolvidos, poderíamos ignorá-la. Devemos esperar que alguns custos da mitigação sejam justificados por evitar as conseqüências negativas do clima modificado.