Título: 'Se o governo quiser intervir, eu não me incomodo'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia, p. B4

A semelhança física com o irmão mais famoso, o governador Roberto Requião, do Paraná, é impressionante. O gosto pela polêmica e a segurança com que sustenta posições que sofrem intenso ataque, também. Eduardo Requião, superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina, defende a postura - que ele mesmo classifica de política e ideológica - do governo do Paraná contra os transgênicos, assim como a proibição da exportação do grão de soja transgênico pelo Porto de Paranaguá. E ainda afirma que Paranaguá é o melhor porto do Brasil, e o mais eficientemente administrado. A seguir, trechos da entrevista.

Como o sr. vê a aprovação da nova Lei de Biossegurança?

Eu ainda espero que o presidente Lula vete a questão da transgenia, mas não das células tronco. A biotecnologia criou a vaca louca, os gênios fizeram a vaca louca, que já matou uma boa centena de pessoas pelo mundo. Os gênios criaram a gripe do frango, que já matou na Ásia milhares de cidadãos. Então, esta biotecnologia não tem esta perfeição que se coloca. O que há no Brasil é uma leitura esquizofrênica da realidade, se diz que não há nenhum estudo que não comprove que ela faz mal, então ela é liberada. Deveria ser o contrário. Não existe no mundo nenhuma pesquisa que nos comprove que esta soja transgênica não trará amanhã ou depois problemas para a saúde do ser humano.

Como fica a posição do governo do Paraná em relação à soja transgênica, depois da Lei de Biossegurança?

A posição do governo é de defesa da soja convencional plantada no Paraná e nos Estados vizinhos. O Brasil deveria estar defendendo no momento um valor a maior da soja tradicional e não a tentativa de derrubar a qualidade da nossa soja. A soja não transgênica tem um valor 20% maior no mercado da China - e se tiver 1% de transgenia na China é considerado transgênico. As grandes empresas compradoras na Europa Central não compram a soja transgênica, assim como a indústria de transformação. O frango do Paraná exportado e vendido pelo Carrefour da França tem valor a maior por não consumir farelo transgênico .

A soja transgênica está virtualmente legalizada com a nova Lei de Biossegurança. Por que o grão não pode ser exportado de Paranaguá?

As esteiras estão interligadas. Não posso exportar pela mesma esteira transgênico e não transgênico e não teria como colocar no armazém esta soja segregada. Não teria como separar uma coisa da outra e iríamos acabar perdendo nossos mercados de soja tradicional para exportar um porcentual de 1% a 3% de soja transgênica. Como fazer para segregar e trazer esta soja rotulada se ela vem em um porcentual tão pequeno dentro dos caminhões e dos vagões? Se tivéssemos um armazém independente e um "ship-loader" (equipamento para carregar os navios) independente, ela poderia até sair por aqui. Agora, a relação custo-benefício desta soja sair daqui num porcentual tão pequeno não traria vantagem a ninguém, porque esta exportação seria caríssima.

Paranaguá é um porto federal, administrado pelo Paraná. E se o governo federal discordar da política de não exportação do grão transgênico?

O porto de Paranaguá exporta produtos com credibilidade e nós precisamos desta credibilidade. É isto que estamos tentando fazer e que eu gostaria que o presidente Lula entendesse. Se ele achar que, como presidente da República, deve liberar a soja transgênica, fico muito triste de ter trabalhado tanto para colocar este presidente da República onde está e ter de engolir mais esta. Mas que o faça, porque poderes ele tem para isto. Mas que deixe o Paraná ser um Estado livre de transgênicos, porque isto quer a maioria absoluta. De 95% a 98% dos nossos plantadores querem exportar soja tradicional.

Mas Paranaguá exporta também soja de outros Estados, onde não existe a mesma política antitransgênicos.

A Previ colocou uma verdadeira montanha de ouro na Ferronorte e passaram a exportar aquela soja de Mato Grosso por Santos, pelos terminais privados, gastando zilhões e zilhões. Por que não se exporta por lá a soja que vem para cá? Porque nós somos os melhores, somos públicos, temos o melhor serviço e a menor taxa, porque a nossa baía é a mais tranqüila, porque os navios podem entrar e sair com a maior facilidade, porque temos uma interligação ferroviária e rodoviária no Paraná com o resto do País de primeira qualidade. É a logística deste porto que nos qualifica.

De qualquer forma, não há o risco de intervenção federal em Paranaguá?

Nós temos uma posição política, uma posição ideológica. Se o Lula determinar, é uma questão do Lula com o Requião, eu cumpro uma determinação do Estado. Ou, se o Requião disser não, eu não cumpro. Se o governo federal achar que não cumprindo, intervém no porto de Paranaguá, não me incomoda, eu não sou dono deste porto de Paranaguá. Eu ajo como ele se fosse meu, porque ele é tão meu quanto seu, ele é do povo brasileiro e nós temos de respeitar. Se você dissesse para mim que a carne que eu estou exportando é aquela de Chernobyl, eu não exportaria. Eu saio do porto e não exporto. Isto não significa que a carne de Chernobyl seja a soja transgênica.

O sr. se orgulha da sua gestão em Paranaguá. Por quê?

Eu peguei este porto gerando uma receita cambial de US$ 4 bilhões. No primeiro ano, fechei com US$ 6,2 bilhões e, em 2004, fechei com US$ 8,412 bilhões. Neste mês de fevereiro fechamos acordo para que o Fox (carro da Volkswagen que será exportado para a Europa) saísse por Paranaguá, o que significa 105 mil veículos a mais, ou US$ 1,2 bilhão. Quando assumimos tínhamos 2.100 contestações de qualidade de produto (soja) exportado por Paranaguá. Eu refuguei, sim, 9 mil veículos, 1.246 por transgenia, com dor no coração. Mas, passados 25 meses, não tenho uma queixa internacional de produtos fora da classificação exportados por Paranaguá. Estamos fazendo 25 quilômetros de acesso. É a multiplicação do espaço, que ficará 100% maior. Nossa área primária vai ser toda concretada e a vila da Madeira vai ter um terminal de álcool industrial. Em 2002, a folha atrasava, porque o porto não tinha recursos. Fizemos um enorme saneamento e todos esses investimentos. Somos o único porto do Brasil que tem superávit e aplica mais de R$ 230 milhões próprios na sua estrutura.