Título: Trauma do confisco completa 15 anos
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia, p. B5

Em 16 de março de 1990, numa entrevista matinal ao lado do então presidente do Banco Central (BC), Ibrahim Eris, a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, deixava estarrecidos tanto seus entrevistadores quanto os milhões de brasileiros que assistiam ao vivo à transmissão feita pela televisão. Explicações pouco esclarecedoras apresentavam uma saraivada de medidas de impacto: salários e preços congelados, extinção de autarquias, demissão de funcionários púbicos, abertura da economia e um monumental e inédito confisco de contas bancárias e poupança por 18 meses, com promessa de devolução ao longo de um ano. A breve era Collor começava com o mais inacreditável plano econômico da História do País, que na quarta-feira completa 15 anos. As conseqüências imediatas poderiam ter sido ainda piores do que foram. Marcílio Marques Moreira, que 14 meses depois substituiu Zélia na Fazenda, lembra hoje que encontrou um governo que não sabia se iria mesmo devolver o dinheiro no prazo estipulado. "Quando cheguei havia essa dúvida. Era muito dinheiro: US$ 27 bilhões, o correspondente a, mais ou menos, 7% do PIB nacional. A devolução poderia causar um enorme impacto monetário", lembra o atual consultor do banco americano Merrill Lynch e presidente da Associação Comercial do Rio.

O dinheiro voltou para seus donos, em parcelas, mas já não tinha exatamente o mesmo valor da época do bloqueio. "Quando ouvi, pela TV, sobre o congelamento de todo o dinheiro acima de 50 cruzados novos, eu senti meu coração parar e meus olhos se encheram de lágrimas. Lembro que saí da frente da TV e fui para minha mesa. Sentei lá incrédula por um tempo que me pareceu uma eternidade. Senti uma raiva que até hoje consigo me lembrar, e a dor era ainda maior pela culpa: como eu e todos os meus colegas jornalistas, que cobrimos a campanha presidencial, descartamos que o congelamento de poupança fosse uma opção para ele (Collor)?", lembra a jornalista Monica Oliveira-Gajdys, que trabalhava na revista Veja e hoje mora em Nova York. Ela havia passado um cheque com todas as suas economias para a compra de um apartamento. "O que recebi no final já não dava para comprar um imóvel como aquele", lembra.

Zélia, que mantém atuação no mercado financeiro, até hoje é reconhecida por brasileiros nos Estados Unidos, mas eles não lhe pedem autógrafo. "Continuo sendo cobrada pelo confisco da poupança e continuo sendo reconhecida, eventualmente", disse ela ao Estado, por e-mail, na sexta-feira. Sobre o rumo que a economia tomou depois do impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, ela é taxativa: "O Plano Real foi bem-sucedido no combate à inflação e essa é uma conquista extremamente relevante. O presidente Lula tem consciência disso e penso que por isso optou por uma política de continuidade."

O cientista político Paul Singer, num ensaio sobre confiança e solidariedade, destaca o Plano Collor como "um desastre para a confiança do público no governo e nas instituições financeiras."