Título: Emigração rende US$ 5,8 bi ao País
Autor: Patrícia Campos Mello e Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia, p. B6

A exportação de mão-de-obra já rende mais dinheiro ao Brasil do que a de soja. Segundo cálculos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que serão divulgados no fim do mês, os cerca de 2,5 milhões de brasileiros que moram no exterior transferiram US$ 5,824 bilhões para o País em 2004. Esse valor é superior à exportação brasileira de soja em grão no mesmo ano, de US$ 5,4 bilhões. O BID adiantou ao Estado os resultados do levantamento sobre remessas de imigrantes da América Latina. O Brasil é o segundo país da região que mais recebe remessas de imigrantes. Só perde para o México, que recebeu US$ 16,613 bilhões.

Como na novela América, que estréia na Globo amanhã, milhões de brasileiros trabalham ilegalmente nos EUA e outros países e mandam dinheiro para sustentar as famílias no Brasil. Segundo estimativas do BID, mais de 1,3 milhão de brasileiros recebem dinheiro de parentes que moram fora.

É gente como o catarinense João, de 54 anos, e sua mulher Ana, de 48 anos, que trabalham há sete anos como faxineiros em Massachusetts. Todo mês, João e Ana passam na lojinha de produtos brasileiros de sua cidade e mandam, por um doleiro, cerca de R$ 2.500 para as filhas Gabriela, 25, e Beatriz, 23, que estão em Florianópolis. João e Ana eram comerciantes e saíram de Criciúma, a Governador Valadares do Sul, em 1998. Eles estavam com muitas dívidas e resolveram morar ilegalmente nos Estados Unidos para fazer um pé-de-meia.

Fazendo faxina, conseguiram comprar um apartamento de dois quartos em Florianópolis e pagar a faculdade das duas filhas. "O trabalho é pesado, mas eles ganham muito mais dinheiro do que aqui no Brasil", diz a filha Beatriz, que está acabando de cursar a faculdade de nutrição em Florianópolis. "Agora, eles vão ficar só mais um ano nos EUA, para juntar um dinheirinho e se aposentar aqui no Brasil."

De 2001 a 2004, as remessas de brasileiros cresceram 123%. Quase a metade vem de brasileiros nos Estados Unidos e o resto se divide entre Japão e Europa (Reino Unido, Itália, França, Suíça, Espanha e Alemanha).

"A tendência é as remessas se tornarem uma fonte de receita cada vez mais importante para o Brasil", diz Pedro de Vasconcelos, coordenador do Programa de Remessas do BID. "Por causa das condições econômicas, os brasileiros vão continuar a imigrar cada vez mais." Hoje, o Brasil não depende dos recursos enviados pelos imigrantes. Não se compara ao Haiti, onde as transferências são 20% do PIB.

Na América Latina, as transferências são mais importantes que investimentos e doações. No ano passado, o continente recebeu US$ 45 bilhões em transferências de imigrantes - mais que a soma dos investimentos estrangeiros diretos (US$ 36 bilhões) e doações (US$ 4 bilhões).

Segundo Eduardo Nascimento, gerente-executivo da área internacional do Banco do Brasil, os brazucas (brasileiros nos EUA) e os dekasseguis têm perfil muito diferente. Nos EUA, a maioria é ilegal e não ganha mais de US$ 1.500 por mês. Os brazucas enviam para o Brasil, em média, US$ 500, sete vezes por ano.

No Japão, a maioria dos imigrantes tem visto de trabalho e ganha de US$ 1,5 mil a US$ 3 mil. Os dekasseguis mandam 54% da renda para o Brasil. Eles enviam em média US$ 1.200, sete vezes por ano. Muitos guardam o dinheiro para, na volta, comprar imóveis, abrir um negócio ou pagar o estudo dos filhos.

Os dekasseguis Luiz Righini, 42 anos, e sua mulher, Monica Tamai, passaram quatro anos juntos no Japão. Trabalharam em uma fábrica de brocas, montaram Discman para a Sony e depois foram para uma fábrica de cartuchos de impressora da Epson. Trabalhavam entre 12 e 15 horas por dia e ganhavam de US$ 2 mil a US$ 3 mil por mês. O casal economizou US$ 40 mil em quatro anos e investiu em um restaurante por quilo em Ribeirão Preto, o Tamai.

"A vida aqui estava difícil, mudei de área três vezes", conta Righini. "Para investir em um negócio no Brasil, precisava pegar dinheiro emprestado. Resolvi ir para o Japão fazer uma poupança."

ILEGAL

Enquanto o BID estima em US$ 5,8 bilhões as remessas dos brasileiros em 2004, o Banco Central registrou apenas US$ 2,3 bilhões. De acordo com Nascimento, do BB, mais de 50% das remessas vêm pelo mercado informal.

Segundo Gláucia de Oliveira Assis, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina que estuda pólos de emigração como Criciúma e Governador Valadares, menos de 20% dos que emigram desses locais estão legalizados. Como a maioria está em situação irregular, eles não enviam os recursos por bancos.

"É muito difícil calcular o valor exato, porque mais da metade das remessas vai por doleiros, transferências não identificadas e uma minoria vem carregando o dinheiro no corpo", diz Vasconcelos. O BID tem um projeto para harmonizar as normas de contabilização de remessas de imigrantes na região.