Título: 'No Brasil eu não ganharia tão bem'
Autor: Patrícia Campos Mello e Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia, p. B7

Não é todo brasileiro que precisa lavar prato ou varrer o chão no exterior para conseguir ganhar em moeda forte. Há uma minoria de profissionais que ocupa empregos cobiçados nos Estados Unidos e em outros países. Não chega a ser um fenômeno como o êxodo dos programadores de computador indianos, mas os brasileiros já se destacam em várias áreas. Bancos de investimentos, companhias aéreas, empresas de tecnologia e, naturalmente, churrascarias recrutam a dedo seus funcionários brasileiros. Luiz Eduardo de Salvo, 30 anos, conseguiu o emprego dos sonhos de muitos profissionais do mercado financeiro - ser executivo do banco JP Morgan em Nova York. Salvo começou como trainee no Brasil e foi transferido em 2000. Hoje trabalha com ações da América Latina.

Salvo tem o visto H, para trabalhadores especializados. O governo americano reserva cotas de visto H para trazer de outros países trabalhadores com habilidades específicas, que dificilmente seriam encontrados nos EUA.

O executivo está cercado de brasileiros em Nova York. Entre seus amigos, há cerca de 20 brasileiros trabalhando no mercado financeiro. Mas nem todos os conterrâneos conseguiram empregos tão bons. Conceição, a faxineira que limpa seu apartamento, é brasileira. Roseli, a manicure que faz as unhas de sua mulher, também é brasileira. O engraxate perto do banco, César, e o porteiro do seu prédio, Marcelo, também.

"No Brasil, eu não teria um emprego tão bom nem a mesma remuneração", diz Salvo. Ele não tem previsão de voltar para o Brasil. Mora em um confortável apartamento em Manhattan, com sua mulher, Patrícia, e Carolina - sua filha que acaba de nascer.

Sidiclei Demartini, 32 anos, tirou a sorte grande quando foi transferido da churrascaria Fogo de Chão em São Paulo para a filial da rede em Houston, no Texas. Isso foi há 4 anos. Hoje, Demartini é gerente-geral da Fogo de Chão em Chicago.

Quando saiu do Brasil, ganhava R$ 2 mil, tinha um apartamento de um quarto na Avenida Santo Amaro e um Fusca. Hoje, dirige uma caminhonete Dodge Durango de US$ 45 mil. Demartini tem visto L1, de transferências entre subsidiárias. "É muito difícil encontrar americanos que saibam manusear a carne", explica Arri Coser, um dos donos da rede. A Fogo de Chão já expatriou 84 garçons brasileiros para suas filiais nos EUA.

O brasileiro Márcio Saito, diretor de Tecnologia da Cyclades, foi exportado juntamente com sua empresa para os EUA, em 1992. Nascida em São Paulo, a Cyclades se mudou para o Vale do Silício, na Califórnia.

Os brasileiros também estão em alta nas companhias aéreas. A AVPointer está recrutando 20 comissárias de vôo para a Air Catar e 10 pilotos para a Blue Dart, uma empresa aérea da Índia. "Os pilotos brasileiros são conhecidos por sua habilidade e experiência", diz Marcelo Sassi, sócio da empresa.

Salvo, Demartini e Saito ainda são notáveis exceções. Segundo Ana Cristina Braga Martes, professora da Fundação Getúlio Vargas, mais de 80% dos brasileiros emigram ilegalmente e aceitam trabalhos abaixo de sua qualificação. "Ainda não temos uma fuga de cérebros brasileiros", diz.

Mesmo para quem não faz trabalho especializado, é necessária preparação. O taxista William Takashi Shimizu, de 24 anos, planeja viajar para o Japão com a mulher Gabriela e a filha. Ele vai trabalhar numa fábrica de bolos por dois anos. William e sua esposa fazem curso de japonês no Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior (Ciate), que tem apoio do governo japonês para preparar brasileiros como a família Shimizu com cursos de língua, leis trabalhistas e usos e costumes no trabalho.