Título: A vacina para a pior fase do câncer
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2005, Vida &, p. A11

Uma equipe do Hospital do Câncer, em São Paulo, tem usado com sucesso uma vacina experimental para tratar os estágios mais avançados de melanoma, câncer provocado por mudanças nas células que produzem a melanina, substância que dá cor à pele. A aplicação tem sido feita quando o câncer está espalhado pelo corpo (metástase) e a chance de sobrevivência do paciente é ínfima. A vacina é feita para cada paciente, baseada nas células de um tumor retirado do corpo dele, com o objetivo de provocar o sistema imunológico para lutar contra a doença (veja quadro).

De 1998 até hoje, cerca de 80 pessoas participaram do estudo. Os resultados finais ainda não foram tabulados, mas a médica Débora Castanheira, líder do projeto, está confiante. Na fase 1, que terminou em 2002, 25 pacientes tomaram todas as seis doses requeridas. Um terço apresentou uma sobrevida maior - um dos voluntários, que já havia retirado nódulos do baço e do pulmão, completou 60 meses sem recaídas, internação hospitalar nem efeitos colaterais do tratamento tradicional, quimioterápico. Os demais, 17 pessoas, morreram.

Para quem acha que o índice de eficiência da vacina é baixo, Castanheira explica: "O melanoma é muito ruim. No último estágio da doença, o paciente está caminhando para a morte, com uma sobrevida esperada de dois, três meses. E o tratamento normalmente indicado tem um índice de recuperação completa menor do que isso, com todos os efeitos colaterais."

Os estágios três e quatro são os mais avançados da doença, quando as células cancerosas caem nos sistemas linfático e sanguíneo e começam a viajar pelo corpo. Nesse ponto, a taxa de sobrevivência pode cair para até 5%. Por isso, o diagnóstico precoce é tão defendido pelos médicos.

A vacina do Hospital do Câncer não é a única testada no mundo e no País. O Hospital Sírio-Libanês, também em São Paulo, tem uma vacina similar, mas que não é feita com células do próprio paciente. "Todas devem ser estimuladas", afirma o chefe do departamento de Oncologia Cutânea do hospital, Rogério Izar Neves. "O paciente que está nesse estágio não tem muita chance, e o tratamento convencional causa efeitos colaterais indesejados, como náuseas e apatia, que muitas vezes o impede de trabalhar." A vacina, por outro lado, é aplicada no ambulatório e só provoca vermelhidão e inchaço no braço - reação bem-vinda, pois demonstra que o sistema de defesa do corpo está se movimentando.

Além disso, Neves defende a pesquisa para reduzir custos. Segundo ele, a pessoa precisa pagar hoje entre R$ 60 e R$ 80 mil para receber a quimioterapia, enquanto a vacina é gratuita.

INCIDÊNCIA

O melanoma tem uma incidência mais alta na população com pele clara - apesar de os pardos e negros não estarem livres do perigo - e o principal vilão é a exposição aos raios ultravioleta, UVA e UVB. O Instituto Nacional do Câncer prevê que, em 2005, cerca de 5.800 novos pacientes serão diagnosticados no Brasil. Mesmo sem ser o tipo de câncer de pele mais comum (representa apenas 4% dos casos), é o mais mortífero, por se espalhar pelo corpo com facilidade.

Os oncologistas têm percebido que o número de pessoas com a doença cresceu nos últimos anos: um estudo realizado no Estado de São Paulo mostra um aumento anual de 1,33% entre homens e de 1,56% entre mulheres no número de casos, diz a pesquisadora Sonia Regina Pereira de Souza, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Para ela, a mudança de comportamento da sociedade é uma das causas. A partir das décadas de 1930 e 1940, o corpo passou a ser descoberto em peças de roupa cada vez menores e um rosto bronzeado virou sinônimo de saúde. A estilista Coco Chanel, imitada em todo o mundo, passava suas férias na praia e ajudou a transformar o padrão de beleza. Tanto que os tumores são mais comuns no alto das costas, em ambos os sexos, e no colo e nos braços, na mulher. "Justamente as áreas mais expostas à radiação ultravioleta quando se está de regatinha", diz Sonia.