Título: Eleição ajudará Bush em discurso
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2005, Internacional, p. A14

Os desdobramentos nas próximas semanas e meses da histórica votação de domingo no Iraque determinarão se o evento marcou o início de uma nova era no país e, potencialmente, no Oriente Médio, ou foi apenas um momento de grandes esperanças frustradas. A curto prazo, porém, a impressionante demonstração de civilidade e vontade democrática dada pelos milhões de iraquianos que saíram de casa para votar, sob as mais adversas circunstâncias, excedendo as expectativas mais otimistas da própria Casa Branca, deixou o presidente George W. Bush numa situação politicamente invejável para reafirmar suas agendas doméstica e externa, no discurso anual sobre o Estado da União que ele fará hoje à noite ao Congresso. Reeleito em novembro, Bush tem na votação iraquiana, que vê como a validação de sua estratégia, preciosa munição para perseguir seus dois objetivos mais imediatos: melhorar a taxa de aprovação com que inicia seu segundo mandato - a mais baixa desde Richard Nixon, nos anos 70 - e ganhar o apoio da opinião para levar adiante não apenas sua ambiciosa visão de democratização do Iraque e do Oriente Médio, mas também seus ousadíssimos planos de privatização parcial da previdência social, que detalhará hoje pela primeira vez, e a reforma da estrutura tributária e das leis de imigração, entre outras iniciativas de política doméstica. A proposta oficial de mudança do sistema de seguridade social, que é o maior, mais antigo e mais bem- sucedido programa social dos EUA, enfrenta fortes resistências mesmo entre influentes líderes parlamentares republicanos.

A despeito dos obstáculos, a mudança da atmosfera política em Washington produzida pela votação iraquiana é considerável. Segundo o historiador Walter Russell Mead, do Conselho de Relações Exteriores, um de seus efeitos foi mostrar que "os críticos da administração Bush cometeram tantos erros quanto a administração Bush em sua avaliação sobre o Iraque".

Com esses críticos temporariamente postos na defensiva, o presidente americano coreografou o discurso para reiterar sua política no Iraque, pedir paciência e ganhar tempo para montar uma estratégia de saída - a peça que falta em seu plano, como já começaram a lembrar os líderes da oposição democrata.

Para sublinhar sua mensagem, segundo a qual o Oriente Médio está entrando num novo caminho, com eleições no Iraque, um governo representativo já no poder no Afeganistão e perspectivas positivas de entendimento entre isralenses e palestinos desde a eleição do novo presidente da Autoridade Palestina, Mahamud Abbas, a Casa Branca convidou eleitores iraquianos e afegãos para sentar ao lado da primeira dama Laura Bush na tribuna de honra da Câmara de Representantes durante o discurso. Três anos depois de ter denunciado, no mesmo plenário, o "eixo do mal" formado pelo Iraque, Irã e Coréia do Norte, Bush usará os avanços democráticos no Iraque, Afeganistão e Palestina como demonstração de resultado da posição externa agressiva que os EUA adotaram depois de 11 de setembro e plataforma para buscar não apenas mais apoio interno, mas também uma reaproximação com os aliados da Europa, de cuja assistência precisará para levar a bom termo sua estratégia iraquiana.

Andrew Kohut, diretor do Pew Center for the People and the Press, disse ao Washington Post que as eleições do último domingo poderão mudar as percepções dos americanos no curto prazo. "O público só ouviu más notícias sobre o Iraque nos últimos tempos", disse Kohut.

Especialista no estudo das tendências de opinião pública, Kohut ressalvou, no entanto, que no prazo mais ampliado em que se decidirá a viabilidade do projeto de construção de uma democracia no Iraque, o que realmente mudará as coisas a favor de Bush "são menos mortes de (soldados) americanos, mais estabilidade e (demonstrações de) um Iraque capaz de ficar de pé por conta própria".