Título: 'O BC não combina com a política'
Autor: Beatriz Abreu
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2005, Economia, p. B3

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse ontem que o governo deve persistir na política econômica porque, pela primeira vez em muitos anos, o País está menos vulnerável às restrições internas e externas para seguir o caminho do crescimento. Meirelles cita os bons resultados no controle das contas públicas, na redução do risco país, nas melhores condições de financiamento de suas despesas com o exterior e na menor parcela da dívida atrelada à variação do câmbio para demonstrar que as condições atuais são mais favoráveis. As taxas de juros ainda podem ser consideradas elevadas porque o Brasil, "infelizmente", ainda oferece uma perspectiva de risco elevado, seja de risco de inflação, seja de crédito (default), uma situação criada e percebida pelo mercado devido às ações no passado. "Temos de baixar esses riscos, como, aliás, estamos baixando", afirma Meirelles, para quem o único caminho é perseguir a meta de inflação, fixada este ano em 5,1%. "Quanto mais se põe em dúvida a capacidade de o País eliminar esses riscos, mais nos afastamos do caminho de redução das taxas de juros", insiste o presidente do BC.

Ele recebeu o Estado depois de duas semanas de intenso tiroteio e críticas à decisão do Copom, que na reunião de 19 de janeiro elevou pela quinta vez consecutiva a taxa de juros da economia, fixada agora em 18,25%. Bem-humorado, sorri quando indagado sobre os boatos da saída dos diretores de Política Econômica, Afonso Bevilaqua, de Estudos Especiais, Eduardo Loyo, e de Assuntos Internacionais, Alexandre Schwartsman, e do seu próprio afastamento do BC.

O único comentário remete à resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista em Davos, sábado, onde participou da reunião do Fórum Econômico Mundial. "Só posso ficar com o que o presidente afirmou." Na entrevista, Lula reiterou seu apoio à política econômica e à necessidade de o País manter os juros elevados, como alternativa ao combate à inflação, e descartou mudanças na equipe do BC ao dizer que "em time que está ganhando não se mexe". A seguir, os principais trechos da entrevista:

O sr. vai sair do governo?

Não.

O sr. pode se afastar do cargo para concorrer às eleições?

O Banco Central não dá popularidade fácil. O meu compromisso é trazer o Brasil para a trajetória da meta de inflação. A trajetória do BC não combina com a trajetória política.

O sr. não é candidato?

Eu sou candidato a presidente do Banco Central do Brasil.

Esse cargo o sr. já tem.

O presidente do BC, na medida em que é demissível "ad nutum" pelo presidente da República, é candidato todos os dias. (risos)

O tom da última ata do Copom foi considerado draconiano. A situação do País está mais dramática do que as pessoas estão supondo?

O tom da ata não é draconiano. A ata é sempre realista. Ela é vista como draconiana, leve, otimista, generosa, baseada na comparação da expectativa do mercado, dos agentes políticos, dos analistas, dos empresários. Só isso. A ata, como a ata de outros Bancos Centrais, tem por finalidade retratar, por uma questão de transparência, qual foi o raciocínio usado pelo Copom. Esse raciocínio tem de ser retratado da forma a mais isenta possível. É esta a essência da transparência. O Brasil, inclusive, tem sido reconhecido por ter um dos sistemas de melhor transparência do mundo. A ata retrata a reação do Copom à situação de perspectiva de inflação e de atividade econômica. Ponto.

A decisão de elevar a Selic é uma ação preventiva à eventual correção dos déficits dos Estados Unidos?

Tudo isso está na ata. A sua pergunta é se a ata tem algo implícito. Não há nada implícito, escondido, nas entrelinhas, preocupações não declaradas do Copom. O Copom, muitas vezes, é pouco entendido por isso.

A Ata afirma que os modelos do BC (cenários considerados a partir das diversas variantes da economia para a definição das taxas de juros) não foram aplicados no País em crescimento. Os modelos estão ultrapassados?

Uma das coisas que procuramos não fazer, apesar da tentação, é explicar a ata. A ata é auto-explicativa, por definição. Qualquer tentativa de explicar a ata termina por ser malsucedida.

Há problemas com os modelos utilizados pelo BC para definir as taxas de juros?

Os modelos do BC são modelos matemáticos, que levam em conta fatores exógenos e endógenos, aperfeiçoados no tempo. Os modelo são adequados. Existe um grupo de profissionais dedicado a aperfeiçoá-los e testá-los retroativamente. O Brasil está vivendo uma experiência nova. Está deixando de ter vulnerabilidades internas e externas que impediam o crescimento.

As condições do crescimento estão dadas, mesmo com os juros elevados?

A primeira vez que dissemos isso foi em julho de 2003, num evento do mercado financeiro em SP. Isso foi visto como algo irrealista, para dizer o mínimo. Pela primeira vez, em muito tempo, o Brasil está eliminando as restrições externas que permitem atingir o potencial de crescimento. O País não tem experiência de crescer no seu potencial por um período prolongado por causa das restrições externas.

As críticas ao BC seriam menores se o Congresso aprovasse a meta de inflação?

Evidentemente, o Congresso é o órgão legislativo supremo do País e pode decidir sobre todas as questões.

Discutir a meta com o Congresso pode levar meses...

Isso é o que você está dizendo. O que eu diria é que não existe essa experiência em outros países. Nos países que adotam o sistema de metas de inflação, quem fixa as metas é o BC. No Brasil, demos um passo aquém: quem fixa a meta é o Conselho Monetário Nacional. É uma forma de participação mais direta do governo, do Executivo, de pessoas que são nomeadas e demissíveis pelo presidente da República, eleito pela população. Em alguns casos, como o dos Estados Unidos, o BC sequer divulga a meta.

O diagnóstico está feito, a política está dada, o presidente apóia a política... Por que a inflação não cai?

Tudo o que está na ata é o que sabemos a respeito do comportamento da inflação.

Não é estranha essa resistência da inflação?

Não. Existem diversas explicações que estão resumidas na ata. A ata é muito equilibrada. Dito isso, a inflação é o termômetro da realidade. No início de 2004, quando o BC anunciou que interromperia temporariamente a trajetória de flexibilização da política monetária muitos analistas se apressaram em dizer que o BC estava garantindo que o Brasil não cresceria os 3,5% e a inflação estaria abaixo do centro da meta. O resultado foi uma inflação de 7,6% e o Brasil cresceu, segundo consenso do mercado, acima de 5%.

Por que os juros são tão elevados?

O Brasil ainda oferece uma perspectiva de risco elevado. Por isso, temos de pagar altas taxas de juros. Estamos baixando os riscos e acredito que as metas de inflação serão cumpridas. Quanto maior a dúvida de que o País é capaz de eliminar esses riscos, mais nos afastamos do caminho de redução da taxa de juro.