Título: Ética e boa conduta na estratégia empresarial
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2005, Economia, p. B18

A gestão ética dos negócios e das relações de trabalho, um dos pilares da responsabilidade social, torna-se cada vez mais estratégica para as empresas. Além dos já conhecidos códigos de ética, que resumem os princípios e valores das organizações, as empresas inovam e criam mecanismos para assegurar transparência às relações empresariais. Um exemplo dessa nova tendência é a Becton, Dickinson and Company (BD), empresa americana do segmento de suprimentos hospitalares, que criou uma estrutura interna de treinamento e comunicação para evitar a conduta não ética nos negócios e no próprio ambiente de trabalho, como potenciais fraudes e casos de assédio moral. A estratégia inclui uma sessão mensal de treinamento, realizada nas unidades de São Paulo, Juiz de Fora (MG) e Curitiba, onde os funcionários passam a conhecer as diretrizes da empresa quanto a ética e tornam-se "agentes multiplicadores". No ano fiscal de 2004, foram realizadas 12 mil horas de treinamento, que atingiram 500 funcionários, mas a empresa quer expandir a ação para todos os 1,9 mil colaboradores.

A BD criou também a help line, uma espécie de "disque denúncia" interno. Por telefone, e com garantia de total confidencialidade, o funcionário pode esclarecer dúvidas sobre fraudes, denunciar casos de tratamento injusto por parte de superiores, abusos de poder e outros comportamentos inadequados. Os casos são avaliados por um comitê designado para este fim, e quando se verifica irregularidades, o grupo discute as medidas a serem tomadas para coibir determinados comportamentos.

Mas isso não estimularia a prática de "denuncismo" entre os funcionários? Para o presidente da BD para a América Latina, Geraldo Barbosa, não é isso o que acontece. "Em quatro anos, foram cerca de 12 levantamentos de informações a partir dessas denúncias internas, o que não é um número alto", afirma.

A BD, que em novembro último anunciou um investimento de R$ 75 milhões no Brasil para os próximos três anos, garante que esse cuidado com ética e transparência tem efeito imediato nos negócios. "Os clientes percebem essa disposição, o que se traduz em mais oportunidades de negócios", diz Barbosa.

Tendo o setor público como grande comprador, a empresa participa ativamente de licitações para hospitais e laboratórios. "Até pela natureza do nosso negócio, que são produtos hospitalares, confiança e credibilidade são imprescindíveis", completa, ao ressaltar que a subsidiária brasileira cresceu 25% ao ano nos últimos dois anos e fechou o ano fiscal de 2004 com faturamento de R$ 326 milhões.

GLOBALIZAÇÃO

O grupo sueco Sandvik, do setor de metalurgia, tem feito esforços para aplicar o seu código de ética, elaborado pela matriz, nas 130 subsidiárias ao redor do mundo. O Fair Play, como a empresa chama o seu código de conduta, é baseado em cinco pilares: exatidão dos registros; operações comerciais; trabalho; ambiente e envolvimento comunitário. Cada um dos tópicos é subdividido em regras menores, que são comunicadas a todos os 1,2 mil funcionários da subsdiária brasileira.

Em casos como este, em que a empresa está presente em países muito diferentes, o desafio é equilibrar a rigidez dos padrões com as diferenças culturais, políticas e de gênero presentes nos diversos países em que a empresa atua. Valores como liberdade de afiliação política e trabalho feminino ainda são verdadeiros tabus em países como China, Índia e do Oriente Médio, explica José Francisco D'Annibale, gerente de recursos humanos do grupo Sandvik. "Nesses casos, a busca é por um ponto de equilíbrio entre a cultura da empresa e a do país em que está instalada. Nem sempre é fácil", diz. São os percalços da globalização.

No Brasil, a cartilha esbarra nos aspectos referentes a trabalho, como presença de mão-de-obra infantil entre os fornecedores, trabalho compulsório e a cultura de excessivas horas-extras. "São questões complicadas, porque em algumas regiões do País o trabalho infantil é até incentivado", diz D'Annibale. "Da mesma forma, há funcionários que imploram por mais horas extras, mas temos que impôr limites para isso", completa.

Para a professora e pesquisadora Rosa Maria Fischer, do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor ligado à Universidade de São Paulo (Ceats/USP) isso é comum, pois a maior parte das transnacionais formula seus códigos de ética levando em consideração os valores e princípios morais da matriz. "O código de ética é uma tendência que vem se acentuando com a difusão do conceito de responsabilidade social", avalia Rosa. "É um documento legítimo, quando reflete uma conduta ética já existente e não fere os valores da região em que a empresa se instalou", completa.