Título: Lula está no bom caminho, diz Sarney
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Nacional, p. A5

Nos dois anos em que ocupou a presidência do Senado, José Sarney (PMDB-AP) foi um exemplo de apoio e solidariedade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem sempre seguido pelos demais aliados do governo. Não é a toa que passou a ocupar o posto de homem forte do Palácio do Planalto e de principal interlocutor do presidente no Congresso. "O tempo amadureceu o PT", diz ele. Enquanto petistas fogem de comentários a respeito da quinta alta consecutiva dos juros, Sarney justifica a medida, alegando que o Banco Central sabe o que faz: "Tem seus motivos e não age por voluntarismo."

O senador insiste na necessidade de o Congresso promover a reforma política, até como meio de melhorar a imagem dos políticos. Não concorda, porém, com os que defendem novas regras para escolha dos suplentes, que hoje somam mais de 10% do total de 81 senadores. Segundo ele, deve haver mudanças nos critérios usados pelos candidatos para a escolha dos suplentes.

O senhor se surpreendeu com mais uma alta nas taxas de juros?

A gente pode até achar que seja uma decisão exagerada, mas o Banco Central tem os seus motivos. Estamos dando muita importância a isso dentro do conjunto das medidas econômicas. No mundo inteiro, as taxas de juros são elevadas, como forma de os bancos centrais se ajustarem ao equilíbrio das contas. Não foi uma decisão de voluntarismo e, sim, técnica.

Como é defender um governo em que os gastos do Gabinete do presidente da República aumentaram 60%, se comparados com o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

Acho que as despesas sobem na razão dos gastos de cada ano, com o progresso do País e o aumento do PIB. Cresce a arrecadação e crescem também as despesas.

Como o senhor vê os dois anos do governo Lula?

Vejo o governo do Lula como um governo que teve uma carga grande e ao mesmo tempo conseguiu vencer alguns obstáculos considerados quase intransponíveis. Nós nos esquecemos que ele recebeu uma taxa de juros que era mais do dobro do que é atualmente. Outro ponto é que não crescíamos havia mais de 10 anos. Os últimos números de crescimento, de 5% ao ano, foram durante o meu governo, há 20 anos. Depois disso, nunca mais o Brasil cresceu que não fosse menos de 3% ao ano. Em relação às exportações, setor em que tínhamos um déficit permanente, nós estamos hoje com um superávit que é o terceiro superávit mundial em matéria de exportações. E como quarto ponto lembro que, na proporção que o governo diminui a nossa dependência em moeda estrangeira, está fazendo uma grande coisa para melhorar e solidificar a economia. Eu acredito que esses obstáculos que foram ultrapassados mostram que o governo Lula está num caminho bom.

O senhor concorda que ainda há metas pendentes?

Evidentemente que não se pode dizer que tudo tenha sido feito. Ninguém realiza todas as coisas necessárias, sempre há coisas que acabam sendo postergadas e há outras que, por diferentes razões, não são possíveis. Por exemplo, o problema das estradas. Realmente é um problema grave da infra-estrutura do País. Mas a respeito dos números macroeconômicos, que informam as perspectivas do futuro, o Brasil vai muito bem.

Até que ponto o fato de o presidente Lula não ter de suportar a oposição que era feita pelos petistas contra o senhor e os seus sucessores na Presidência ajuda a condução do governo?

Acho que o tempo é um grande construtor. É através do tempo que construímos as nossas vidas. Também é através do tempo que se constrói a vida dos países, dos políticos e dos partidos. O tempo amadureceu o PT, levou-o ao governo. Ele agora está do outro lado e sabe o quanto é difícil a tarefa de governar e com é fácil a tarefa de combater.

O senhor sabe como está a reforma ministerial?

Não tenho nenhuma informação, acho que isso é coisa do presidente. Também não sei de nenhuma ocasião em que o presidente tenha falado com qualquer pessoa a respeito de nomes ou de pastas. Apenas o que eu ouvi dele é que depois do carnaval vai promover algumas modificações no ministério, sem adiantar mais nada.

Por que o senhor insiste também na necessidade de o Congresso realizar uma reforma política?

É imprescindível que se faça imediatamente essa reforma. Esse deve ser o principal objetivo, não do governo, mas de toda a classe política. Nós estamos num processo de desprestígio cada vez maior e cada vez menos compreendidos pela nossa tarefa junto ao povo e isso demanda que façamos uma reforma política capaz de dar força aos partidos, capaz de restaurar a imagem dos políticos e das nossas instituições legislativas.

Da mesma forma que o senhor combate o voto proporcional na eleição de deputados, não seria o caso de rejeitar a forma como são escolhidos os suplentes dos senadores?

Eu acho que não, é como a vice-presidência nos Estados Unidos. Durante muito tempo se achou que a vice-presidência era desnecessária, mas depois que eles começaram a ter problemas com morte e crise de presidentes, eles verificaram que a vice era uma instituição que dava estabilidade. É a mesma coisa em relação à suplência no Senado. Os suplentes são votados junto com os senadores, não têm voto individual, mas têm voto partidário. O eleitor, quando vota no senador tal, vota também no suplente escolhido por ele. Então, é um voto partidário, uma confiança no que ele escolheu. Isso significa que nós nunca vamos ter uma interrupção em matéria de número de senadores representante de seus Estados porque o sistema funciona com as substituições que são feitas. O problema não é bem este, é o de escolher bons suplentes para as chapas dos senadores.