Título: Zona Franca Verde, uma esperança
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2005, Nacional, p. A9

O Projeto Rondon do governo militar deixou saudades em Benjamin Constant, município de 30 mil habitantes às margens do Rio Javari, a 30 minutos de barco de Tabatinga, seu antigo distrito, emancipado há 22 anos. "Tivemos até um campus avançado da PUC de Porto Alegre, que trouxe muito benefício", disse o vice-prefeito David Bemerguy (PL), que na semana passada atendeu uma equipe do novo projeto. Como outros políticos da região, ele torce para que a retomada da iniciativa venha a significar mais recursos e algum progresso. "Nossas prioridades são saneamento básico e tratamento de lixo, os problemas mais agudos de Benjamin Constant, que precisa também de hospital e de alguma indústria", disse Bemerguy, resumindo o diagnóstico que a equipe do Rondon levou para Brasília. Açudes para a piscicultura e uma fábrica de ração animal estão nos planos da administração municipal.

Benjamin Constant consome frango vindo de Campinas (SP) e Chapecó (SC), pagando pelo frete mais do que o preço do produto. "Nossa economia estagnou por causa da política ambiental e da demarcação das terras indígenas, que acabaram com o extrativismo artesanal nas áreas de nossas principais atividades, a pesca e a exploração da madeira", disse.

"Os índios são mais de 30% da população (cerca de 10 mil) e os peruanos passam de 3 mil", calcula Bemerguy, tentando mostrar a dificuldade que a prefeitura tem para oferecer serviços de saúde, educação e moradia num território isolado e sem arrecadação. O repasse de verbas federais, diz, não cobre as despesas. O hospital, de 24 leitos, depende de médicos estrangeiros - um peruano, um colombiano e uma cubana para só um brasileiro -, obrigados a enfrentar cirurgias de risco sem equipamentos. "Oferecemos salário mensal de R$ 6 mil, mais convênios, mas está difícil alguém vir."

"Nossa esperança é a Zona Franca Verde, projeto do governador Eduardo Braga para industrializar frutas da Amazônia", disse a professora aposentada Açucena Fernandes Amazonense. Formada em Educação Especial, ela falou para os estudantes sobre a falta de perspectiva das crianças com necessidades especiais, que precisariam ter alguma formação profissional. "Eles me ouviram, mas não se interessaram muito."

Lixo e saneamento são também o maior problema urbano de Tabatinga, diz o prefeito Joel Santos de Lima (PPS). "O esgoto a céu aberto corre em quase todas as ruas." Ele concorda que há outros desafios, como o tráfico de drogas, o contrabando e a imigração ilegal, mas argumenta que isso é relativo. "Como tudo passa por aqui, na garganta do Solimões, que divide Brasil, Colômbia e Peru, parece que todo traficante sai de Tabatinga, porque ele embarca no porto ou no aeroporto da cidade."

Os peruanos, cujo número é estimado em cerca de 5 mil, chegam de barco, de 4 a 10 famílias por semana. "Cheguei há dez anos e casei com uma colombiana que mora em Letícia", diz Jonny Pisango, de 23 anos, feirante. Faz tempo que ele tenta regularizar os documentos, mas ainda não conseguiu, apesar de ter um filho brasileiro.

Os peruanos dominam as principais ruas da região do porto e do mercado. Colocam letreiros em português nas lojas, mas falam espanhol - nem chega a ser portunhol - sem a menor preocupação de disfarçar a origem. "São ilegais, mas muito trabalhadores", testemunha o prefeito. As equipes do Projeto Rondon anotaram mais esse desafio em seus relatórios.

"Os antropólogos e os sociólogos deveriam analisar o tecido social dessa região para entender por que seu povo tem tantos problemas", sugere o bispo de Alto Solimões, d. Alcimar Caldas Magalhães, que estava em Brasília quando a equipe do Rondon percorria as paróquias. Os estudantes procuraram assessores do bispo para conhecer um de seus projetos na área da silvicultura, a adoção de técnicas para o plantio sem agredir a natureza.