Título: Dirigentes discutem como deixar para trás a fase Woodstock
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Nacional, p. A10

A quinta edição do Fórum Social Mundial vai terminar com o mesmo dilema que marcou seu início: o que fazer para ir além daquilo que o presidente Lula chamou de "feira de produtos ideológicos"? A julgar pela quantidade de temas que foram acrescentados nas listas de debates deste ano em Porto Alegre, pela ausência de preocupação com a definição de prioridades e pela dificuldade para estabelecer ações unificadas, isso não preocupa os organizadores. A maioria, aliás, festeja o caráter de feira. Uma das vozes que se opõem de maneira mais ácida à idéia de feira é o sociólogo Emir Sader, um dos idealizadores do fórum e membro do comitê internacional de organização. Para ele, o evento corre o risco de se tornar uma espécie de Woodstock permanente, um local para festejar e trocar idéias. "Estamos na quinta edição do evento e ainda não conseguimos aparecer no cenário político mundial", diz. "Não conseguimos impedir a guerra do Iraque e, num mundo dividido entre o fundamentalismo de Bush e o dos islâmicos, parece que nem existimos."

Sader gostaria que os debates fossem mais focalizados em temas considerados prioritários e o fórum tivesse um papel mais importante na definição e articulação de ações globais. Para ele, o encontro deste ano se perdeu em debates secundários. "A luta contra a guerra e a hegemonia imperial no mundo ficou em segundo plano."

Ele é voz minoritária no comitê, formado por representantes de 129 organizações. Um dos que se opõem às idéias de Sader é o ex-vereador paulistano Chico Whitaker, da Comissão de Justiça e Paz, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para ele, o fato de o fórum ser uma feira de produtos ideológicos não deve ser visto como incômodo e sim como uma conquista. "A horizontalidade e o respeito à diversidade são as grandes conquistas deste encontro", disse Whitaker num debate de avaliação do fórum. "Tudo aqui é igualmente importante." No mesmo debate, o sociólogo e historiador José Corrêa, outro integrante do comitê internacional e autor do livro FSM - Uma Invenção Política, referiu-se ao fórum como "a maior inovação política que o mundo viu nas últimas décadas".

Ao lado dele, o sociólogo português Boaventura Souza Santos, autor de outro livro sobre o tema, FSM: Um Manual de Uso, também fez avaliação bastante positiva do encontro: "Ninguém esperava tamanho êxito. A esquerda, tão acostumada a se autoflagelar, pode ficar feliz."

A esquerda à qual ele se refere vinha perdendo energia desde os anos 80, na esteira do desencanto com o socialismo real, a derrocada dos partidos comunistas, a queda do Muro de Berlim, a desconstrução das utopias. Isso ocorria ao lado do fortalecimento da doutrina neoliberal.

O fórum surgiu em 2001 como forma de articulação antineoliberal e de reaglutinação de forças de esquerda. Não parou de crescer, mas a cada ano aumentam as dúvidas quanto a seu futuro.

Para Boaventura, o êxito não deve acomodar as organizações. "Devemos querer muito mais", disse.