Título: 'Caubóis' do asfalto mascam fumo
Autor: Simone Iwasso, Cláudia Ferraz
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Vida &, p. A18

Fora do alcance das campanhas antitabagistas movidas pelos órgãos de saúde e inspirado na cultura country americana, o hábito de mascar tabaco se dissemina silenciosamente entre uma parcela específica da população brasileira. Comum em gerações passadas que viviam na área rural e esquecido por décadas, o costume agora é moda entre adolescentes e jovens que freqüentam rodeios, hípicas, danceterias e bares vestidos com chapéu, cinto e botas de caubói. Assim como as músicas e os acessórios classificados atualmente como country, o tabaco desses jovens não tem o mesmo formato e aparência dos consumidos antigamente pelos moradores mais simples do campo. A substância usada hoje é vendida em pequenas latas importadas, compradas em tabacarias e lojas de produtos especializados. Custam cerca de R$ 25 e duram, em média, uma ou duas semanas.

As latinhas são exibidas no bolso da camisa ou no cinto da calça e viraram símbolo de status. Quem não tem dinheiro para comprá-las acaba preparando uma mistura caseira e levando-a em latinhas usadas. De tempos em tempos, retiram o tabaco, pegam um pouco com os dedos e colocam entre os dentes e a gengiva. Mascam por minutos, às vezes horas, e depois cospem - dependendo do local, em recipientes vendidos especificamente para essa finalidade.

Multiplicam, na maioria das vezes sem saber, o risco de desenvolver problemas nos dentes, na língua, gengivas e, principalmente, câncer de boca. Além disso, comprometem a saúde ao ingerir as mesmas 4.700 substâncias tóxicas presentes no cigarro, inclusive nicotina - responsável pela dependência -, monóxido de carbono e alcatrão. No entanto, como fazem parte de um mercado menos expressivo, as embalagens desses derivados do tabaco não são obrigadas por lei a trazer os avisos que são estampados nos maços de cigarro.

FORA DAS ESTATÍSTICAS

"Esse consumidor não entra nas estatísticas do cigarro, mas está crescendo, resultado de uma moda importada dos Estados Unidos, onde o hábito é bastante popular entre jogadores de beisebol e freqüentadores dos ambientes country. Aqui no interior, observamos até em shopping meninos de 12 e 13 anos mascando tabaco. Nos últimos anos virou uma coisa comum", diz a dentista Suzana Luzia Coelho Figliolia, autora de uma pesquisa sobre o consumo e o perfil dos consumidores de tabaco sem fumaça, feita na Universidade de São Paulo (USP).

Após observar o costume, Suzana entrevistou e examinou 129 jovens freqüentadores de rodeios e hípicas na região de Bauru, interior do Estado. Pelo seu levantamento, 67% deles tinham entre 15 e 19 anos e 46% eram consumidores do tabaco entre um e três anos. Como conseqüência, 38% já tinham alterações na boca, como lesões, manchas e recessão gengival, um deslocamento da gengiva que deixa parte da raiz do dente à mostra.

Resumindo, a pesquisa mostrou um consumidor jovem, em sua maioria de classe média, cursando ensino médio ou superior e que já consumia a substância fazia tempo suficiente para desenvolver a dependência. Outro fator que o levantamento apontou foi que em 80% dos casos os pais sabiam do hábito e não se preocupavam por não o considerarem prejudicial à saúde. Quanto aos motivos, as frases mais comuns ditas pelos jovens foram "todo mundo usa", "faz parte da vida de peão", "é sertanejo".

Para o gerente de uma loja de artigos country Kinho Marques, de 27 anos, que começou a mascar tabaco aos 18, as explicações para começar com o vício são bem parecidas. "O adolescente vê o peão usando chapéu, bota e mascando fumo e vai querer ser igual", diz. Segundo ele, um ex-fumante, mascar tabaco também não deixa cheiro nas mãos, roupas e cabelos, "além de não fazer mal nem incomodar quem está ao lado".

Para ele uma caixa com 34 gramas dura uma semana e meia - Kinho chega a mascar um punhado de tabaco por 20 minutos. Na loja em que trabalha, em Perdizes, na zona oeste de São Paulo, são vendidas cerca de 200 latas por semana, com sabores e concentrações variadas. "Tem gente que cruza a cidade para comprar apenas uma caixa aqui e depois volta sempre."

Entre os adolescentes, a moda tem gírias próprias. Eles se encontram "nos bailes" para dançar e "laquear" (mascar) o fumo. O estudante de administração João Agripino de Rodrigues, de 20 anos, masca tabaco com sabor de menta. "O que não tem sabor é muito forte, deixa 'tucado' (abobado), relaxado e tonto", explica.

Seu amigo Douglas Parreira, de 25 anos, que o acompanhava em uma casa noturna de São Paulo voltada para a música country e sertaneja, conta que a moda veio dos americanos. "Eu me espelho no povo americano, gosto do jeito deles e do estilo de se vestir."

As meninas também não ficam fora desse hábito. O costume, que antes era repugnado por elas, ganhou força e hoje a turma toda "laqueia" tabaco junto. "Comecei a mascar quando a moda das meninas começou. Antes, menina não mascava, achávamos nojento", disse Anne Thalhammer, de 22 anos, estudante de biomedicina.

"Eu beijei um cara uma vez e achei horrível. Ele me disse que estava mascando fumo e então eu experimentei", conta Sônia Regina Lopes, de 30 anos. A amiga Daniela de Castro, de 22, administradora financeira, confessa: "Só masco quando estou com o pessoal."

São meninos e meninas que também estão na internet, em sites e grupos de discussão onde trocam informações sobre marcas de tabaco, receitas de fabricação caseira, usando fumos mais baratos, e locais mais freqüentados. Nos grupos, jovens de várias regiões do País mandam mensagens e marcam encontros. Sempre exibindo a famosa latinha em alguma parte visível da roupa.

FALTA DE INFORMAÇÃO

"Falta muita informação sobre esses produtos, até mesmo entre médicos e dentistas. Na pesquisa, entrevistei um estudante de odontologia, filho de dentistas, que mascava tabaco e não sabia dos riscos para a saúde", conta Suzana. "Como as campanhas focam bastante na fumaça, os jovens pensam que se não tiver fumaça não tem tanto perigo. E as empresas se aproveitam disso e vendem os produtos em embalagens atraentes para os jovens", complementa.

Mas a impressão é falsa e mascar tabaco também apresenta riscos à saúde, assim como fumar. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), ligado ao Ministério da Saúde, a diferença é que o tabaco vendido para mascar, assim como o usado em charutos e cachimbos, é alcalino, o que faz com que seja absorvido pela mucosa da boca - ao contrário do cigarro, em que é preciso inalar a fumaça.

"Os males existem, mas são pouco divulgados. Nos Estados Unidos é um hábito popular, que começa agora a ser adotado por executivos e bancários para substituir o cigarro em ambientes fechados. Com isso, os índices de câncer de boca estão aumentando", explica Fábio Alves, diretor do Departamento de Estomatologia do Hospital do Câncer. "Infelizmente, o costume está chegando e ficando mais popular também no Brasil."