Título: Quando nem tudo é uma questão de gênero
Autor: Robert J. Samuelson
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Vida &, p. A19

Larry Summers - o economista que foi o último secretário do Tesouro do governo de Bill Clinton e é hoje reitor da Universidade Harvard - tem uma tendência a se meter em problemas. E aconteceu de novo outro dia, ao parecer sugerir que diferenças inerentes entre homens e mulheres podem explicar por que tão poucas mulheres entram na ciência e engenharia. "Os comentários do presidente de Harvard sobre as mulheres", disse a manchete do Post. Isso foi típico. Na verdade, o furor que Summers provocou é mais revelador do que qualquer coisa que tenha dito antes.

Todo mundo sabe que há diferenças entre homens e mulheres, meninos e meninas. Mas deixe alguém aludir a essas diferenças, especialmente um homem falando de um modo possivelmente desfavorável às mulheres, e ele vai ser atingido pelo martelo da correção política. Ele vai ser denunciado como sexista, reacionário e insensível. Péssimo. As diferenças precisam ser discutidas, porque elas importam para a política do governo - especialmente no que diz respeito a escolas, empregos e famílias. Da mesma forma, apenas as discussões abertas podem desfazer estereótipos mal informados. Ironicamente, isso pode se aplicar aos comentários de Summers.

Ninguém nega que menos mulheres entram para o mundo da ciência e da engenharia do que homens. As mulheres constituem hoje quase metade da força de trabalho (46,8% em 2003), mas elas representam apenas 9% dos engenheiros civis, 11% dos engenheiros aeroespaciais, 6% dos engenheiros mecânicos e 8% dos físicos e astrônomos. Embora esses números sejam baixos, eles melhoraram. Em 2001, as mulheres receberam cerca de 18% dos canudos de formandos de engenharia. Em 1976, eram apenas 3%.

Summers falou isso para explorar a situação, numa conferência, do National Bureau of Economic Research (NBER). Segundo notícias da imprensa, ele sugeriu que uma razão para sua constatação pode ser o fato de que as mulheres não vão tão bem quanto os homens em matemática de alto nível. O grande problema foi ele deixar implícito que a diferença podia ser genética. E, ainda, citou indiretamente sua própria filha como prova.

Quando criança, ela recebeu dois caminhões justamente para combater os estereótipos sexistas. Logo, começou a chamar um dos caminhões de "caminhão-papai" e o outro de "caminhão-bebê". O que fica disso? Que algumas diferenças sexuais não podem ser afastadas.

FALTA DE INTERESSE

A socióloga Kimberlee Shauman, da Universidade da Califórnia em Davis, co-autora de Women in Science: Career Processes and Outcomes (A Mulher na Ciência: Processos e Desfechos das Carreiras), acredita que as mulheres se interessam menos pela ciência. Discriminação provavelmente não é a principal explicação. Direito e Medicina eram bastiões masculinos. Em 1960, apenas 7% dos médicos e 2% dos advogados eram mulheres. Agora, as mulheres estão se aproximando dos 30% de ambas as carreiras e representam quase metade dos estudantes de Direito e Medicina. E, na verdade, Medicina e Direito parecem tão exigentes intelectualmente e consumidores de tempo quanto ciência e engenharia.

Por que as mulheres são mais numerosas em Direito e Medicina? Para começar, essas profissões pagam melhor. Em uma pesquisa de salários com 427 profissões, feita pelo Departamento de Trabalho americano, os médicos ficaram em segundo, os advogados em 14.º, os físicos em 27.º e os engenheiros civis em 69.º na lista dos mais bem pagos. Médicos e advogados podem também gozar de mais prestígio. A ciência e a engenharia às vezes podem parecer românticas, construindo um futuro melhor e tudo mais. Mas os indivíduos normalmente sentem que eles são pequenos "pontos" em organizações impessoais, diz Tanwin Chang, da NBER.

Mas muitas mulheres provavelmente rejeitam a ciência e a engenharia por outra razão: elas simplesmente não acham o trabalho atraente, assim como geralmente não gostam de futebol. Na maioria dos casos, homens e mulheres têm gostos muito diferentes. Mesmo nas ciências, algumas especialidades são favorecidas: 46% dos biólogos e 30% dos cientistas ambientais são mulheres. Com o tempo, os gostos podem mudar, mas a idéia de que homens e mulheres devem ser igualmente representados em todas as ocupações é irreal e indesejável. As escolhas diferem porque homens e mulheres são diferentes.

São questões complicadas. Não podemos entendê-las sem discutir diferenças de gênero abertamente. A confusão sobre os comentários de Summers é evidente. Antigamente, a segregação sexual e os estereótipos eram mais evidentes. Os papéis de cada um dos gêneros eram supostamente fixos e, portanto, não precisavam ser discutidos. Havia uma aprovação silenciosa. Décadas mais tarde, os papéis se alteraram e se misturaram. Mas as diferenças que restaram agora podem ser discutidas apenas seletivamente. Ainda há aprovações silenciosas que são quebradas ao sinal de perigo.