Título: 'Vamos suar camisa e aplicar R$ 60 bi'
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Economia, p. B6

Em 2 ou 3 meses o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anuncia uma nova estratégia de ação, de médio e longo prazos, que terá como objetivo central acelerar a tramitação de pedidos de crédito e responder prontamente às metas de crescimento econômico neste e nos próximos anos. Para tanto a direção do banco negocia com o ministro da Fazenda o que o ex-presidente Carlos Lessa tentou e não conseguiu: a União injetar recursos para capitalizar o banco, elevar seu patrimônio líquido de referência e, assim, retomar a concessão de crédito para muitas empresas que estouraram seus limites legais e estão impedidas de contratar novas operações. "A Petrobrás já ultrapassou, há outras na borda e ultrapassando, entre elas a CPFL e outras elétricas", informa o diretor de Planejamento, Antonio Barros de Castro, nesta entrevista ao Estado, na qual revela as principais linhas dessa estratégia. "São empresas que alavancam desenvolvimento, são fundamentais para o sucesso deste novo ciclo de crescimento", argumenta. Outra providência será flexibilizar a exigência de garantias de crédito e aprovar com maior rapidez operações de empresas com bom rating. Castro acredita em taxas de crescimento robustas, acima de 4% em 2005 e 2006, e critica economistas que condicionam o crescimento às reformas. "Temos de nos livrar definitivamente do mito fundacionista, de esquerda e de direita", afirma.

Estado - Na gestão Carlos Lessa o BNDES foi acusado de lento. Como agirá a nova gestão para não repetir 2004?

Antonio Barros de Castro - Existe hoje no banco uma demanda de desembolsos para 2005 estimada em R$ 60 bilhões, em consulta, análise, enquadrado, em contratação e uma pequena parcela de R$ 3 bilhões em perspectiva, mas que está incluída nessa conta. A soma disso dá R$ 60 bilhões. Isso é o pulso do mercado, não necessariamente é demanda firme de recursos. Há um problema: não dispomos de R$ 60 bilhões, vamos sair em busca. Mas a orientação do presidente Guido Mantega é partir para realizar os R$ 60 bilhões. Se conseguirmos, será um salto de 50%, porque em 2004 os desembolsos foram de R$ 40 bilhões. Para dar este salto a economia tem de estar realmente embalada e ela está dando sinais de estar. Segundo, é preciso que o banco se motive, se engaje nesta gigantesca tarefa, há que molhar a camisa, usar a imaginação, contornar muitos obstáculos.

Estado - Quais obstáculos?

Barros de Castro - Primeiro, os de natureza mais geral. Por exemplo, é preciso contornar problemas na área ambiental, porque começam a chegar novos projetos de infra-estrutura, grandes projetos, e em ambos os casos há dificuldades de natureza ambiental nada triviais. O segundo tipo de limitação é a exposição ao risco representado pelo tomador.

Estado - Como assim?

Barros de Castro - Um bom número de grandes empresas já está atingindo ou até ultrapassou o limite de recursos segundo determinadas regras. O regime de Basiléia recomenda e o Banco Central torna, em princípio, imperativo que a exposição do banco com uma determinada empresa não ultrapasse 25% de seu patrimônio líquido de referência, que hoje está em R$ 22,5 bilhões. Isso significa que não podemos emprestar mais do que R$ 5,5 bilhões para nenhuma empresa.

Estado - Há empresas que chegaram ao limite?

Barros de Castro - A Petrobrás já ultrapassou, há outras na borda e ultrapassando. As elétricas, a CPFL, por exemplo. E com a nova safra de investimentos, de grandes projetos, é de se esperar que várias tendam a ultrapassar.

Estado - O que fazer, então? Suspender créditos para a Petrobrás?

Barros de Castro - O presidente Guido Mantega está engajado em solucionar esse problema. Basicamente, o recurso seria aumentar o patrimônio do banco, fazer capitalização e elevar os R$ 22,5 bilhões, de forma a permitir um empréstimo maior, sem exceder os 25% do patrimônio. Isto tem de ser feito este ano para permitir alguns dos empréstimos críticos ao longo do ano, é fundamental para chegarmos aos R$ 60 bilhões e para sustentar o impulso expansivo que a economia está demonstrando.

Estado - E como fazer? O acionista controlador, a União, injetaria recursos no banco para capitalizá-lo? Quanto?

Barros de Castro - Olha, esse tipo de número talvez até já esteja na mesa de negociação, mas eu desconheço.

Estado - Há outros obstáculos?

Barros de Castro - Há dificuldades operacionais ligadas à legislação de garantias. Na área de infra-estrutura os problemas de garantias são bastante delicados, porque uma determinada empresa não pode comprometer mais de uma vez seu patrimônio. Por exemplo, se a empresa possui uma indústria e vai construir uma estrada, digamos. Se ela já usou a indústria como garantia, não pode usá-la novamente. Há de ser criativo para contornar o problema. No caso da estrada, por exemplo, a garantia pode ser a receita futura com pedágio, a garantia real é dispensada. Há outro problema de garantias com empresas estrangeiras, o que que elas vão oferecer daqui por diante. O Brasil viveu alguns traumas nesse campo.

Estado - E o que será feito para acelerar a liberação dos créditos?

Barros de Castro - Vamos descobrir formas de acelerar o tempo médio de tramitação sem queda de qualidade do trabalho do banco. Existem possibilidades pensadas, por exemplo, introduzir a prática do limite de crédito. Se uma empresa está abaixo do limite de crédito, tem um bom rating e apresenta um projeto no campo em que já demonstrou competência, essa tramitação tem de ser ultra-simplificada. Não há por que examinar este projeto com as lentes que usamos habitualmente.

Estado - Como e quando essas mudanças vão virar regras?

Barros de Castro - Essas questões estão sendo enfrentadas por grupos de trabalho, que irão apresentar conclusões e recomendações para formularmos o que podemos chamar de estratégia do banco, que vai focar não só regras, vai também definir linhas de ação para setores, regiões e outras prioridades definidas pelo governo. A idéia é formular uma estratégia de médio e longo prazos.

Estado - Quando esses grupos de trabalho apresentarão conclusões?

Barros de Castro - Em 2, 3 meses, mas as pré-conclusões já estão sendo explicitadas para a diretoria. É um processo rápido para agilizar a liberação de créditos o quanto antes. O objetivo é enfrentar o volume de crédito, com qualidade e afinamento com as metas de objetivos nacionais. É um tremendo desafio. Se chegarmos a R$ 60 bilhões teremos cumprido extraordinariamente a missão de alavancar o crescimento que está brotando forte.

Estado - Esse desafio seria mais difícil nas empresas elétricas, onde o investimento é urgente e as empresas têm problemas reais de limites...

Barros de Castro - Muitas delas já estão com seus limites comprometidos e atingem os 25% do patrimônio do banco. Já ultrapassaram o sinal amarelo e estão no vermelho.

Estado - Já há solução para elas?

Barros de Castro - Ainda não. Mas há um empenho excepcional do banco para encontrar um caminho porque é fundamental expandir a geração de energia elétrica. Pretendemos, por exemplo, dar prioridade à co-geração, a projetos de empresas, como usinas de açúcar e álcool, que podem aproveitar o bagaço de cana para gerar energia para seu empreendimento e excedente para ser injetado na rede elétrica.

Estado - De seu novo posto de observação no BNDES o sr. continua otimista com o crescimento econômico?

Barros de Castro - Compreendo as visões pessimistas. Afinal, 23 anos de estagnação, de 1981 a 2003, geraram a impressão de que a economia brasileira tinha algo de muito fundamental que a impedia de crescer. Daí o florescimento dos reformismos, dos quais uma escola mais vociferante diz que as reformas dos anos 90 deixaram graves seqüelas e precisam ser revistas, reorientadas. E o grupo oposto, que recentemente tomou força, prega exatamente o inverso, o problema é a insuficiência das reformas liberalizantes.

Estado - Como o sr. identifica os dois grupos?

Barros de Castro - O primeiro está disseminado, tem uma parte importante dentro do PT, mas tem um respaldo amplo de intelectuais ligados tradicionalmente à esquerda, passando por Celso Furtado. O segundo é claramente liderado por Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende. Os dois grupos, que chamo de reformistas, querem, mais uma vez, refazer as bases institucionais para, através de reformas, alcançar o desenvolvimento sustentado. São fundacionistas, querem refundar. Temos de nos livrar definitivamente do mito fundacionista, de esquerda e de direita. Ninguém vai fundar este país de novo. Eu discordo de ambos.

Estado - Discorda em quê, exatamente?

Barros de Castro - A começar pela própria questão da estagnação. Houve mesmo? Tenho dúvidas. Primeiro, esses 23 anos foram pontuados por arrancadas muito vigorosas da economia, que abortavam, é verdade, mas longe de uma situação de marasmo. Dois: o tecido econômico visto do ponto de vista das empresas mudou completamente nesse período. As empresas mudaram seus produtos, suas tecnologias, suas formas de organização, suas relações com o mercado. É outro tecido. Terceiro: a distribuição espacial da economia mudou profundamente. Por isso os desembolsos do BNDES, em 2004, na Região Centro-Oeste, aumentaram 82%, e no Sudeste, só 6%. Houve um deslocamento brutal. Por tudo isso é até possível falar em estagnação por um critério macro agregado, mas não em situação de marasmo. Ao contrário, todo o tempo a economia mudou fortemente.

Estado - E o que a sua análise tem a ver com os reformistas?

Barros de Castro - O primeiro pecado do reformismo é supor que está agindo sobre uma realidade inerte, quando ele está diante de um sistema dinâmico, em profunda renovação. O segundo é que ele não percebe o potencial de crescimento que já está sendo revelado há algum tempo. Entre maio de 1999 e março de 2001 tivemos um crescimento do PIB nada desprezível de 8,5%, em 22 meses. No segundo trimestre de 2001 veio a frustração que, a meu ver, foi importante porque ela reforçou a guinada das empresas para fora do País.

Estado - E agora? Qual será o modelo de crescimento?

Barros de Castro - Não será um crescimento a partir de novas plantas, mas a partir das próprias plantas existentes e na exploração de oportunidades que as empresas acumularam nos últimos anos. Durante 2 ou 3 anos haverá desova de oportunidades, com uma progressiva entrada em campo de plantas novas. No BNDES já chegam grandes projetos. Assegurar o crescimento do PIB através de desova de oportunidades é relevante porque o investimento não pode crescer rápido, com o consumo reprimido como está. Os dois têm de crescer juntos. Daí a importância estratégica de ter 2, 3 anos de um bom crescimento sem um salto no investimento. Dá tempo para construir uma máquina de crescimento. A máquina de crescer dos anos 70 e 80 desapareceu. Estamos reconstruindo uma nova.

Estado - Segundo a última pesquisa feita pelo Banco Central, o mercado aposta em crescimentos de 3,7% em 2005 e 4% em 2006. O que o sr. acha?

Barros de Castro - Como esse 2004 foi de 5%, 5,2%, isso já significaria um triênio com taxa média acima de 4%, o que não é desprezível. Mas acho que pode ser mais. No BNDES, agora, e nas visitas a empresários estou sempre de ouvido no chão sobre o que vem por aí. As intenções de investimento, que são véspera de intenção de crescimento, são muito maiores que isso.