Título: Pela Transposição do São Francisco
Autor: MAILSON DA NÓBREGA
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Economia, p. B12

A idéia de levar as águas do Rio São Francisco para o semi-árido nordestino existe desde o século 19 e teve até apoio de D. Pedro II. O projeto atual foi concebido em 1985, mas existiram outros, incluindo uma proposta extravagante, de mais de cem anos atrás, para transferir as águas através de um túnel de 300 km.

A oposição ao projeto é menos antiga. Nos anos 1970, uma CPI do Congresso concluiu por sua inconveniência, em face de supostos prejuízos para as áreas irrigadas da Bahia e Pernambuco e para o potencial hidrelétrico das barragens da parte final do rio.

Ambientalistas têm condenado o projeto. Fala-se que a água não dá para todos. Grupos em Minas Gerais reclamam do desvio a ser feito a dois mil quilômetros de distância.

Para certos críticos, se água fosse a solução o semi-árido já teria superado a miséria, pois a região está cheia de açudes que não servem para nada, o que é um evidente exagero. E se miséria é problema, disse um deles, ela também existe às margens mineiras, baianas e pernambucanas do rio.

Conheci a idéia em 1984, no grupo de técnicos e governadores do Nordeste que visitaram projetos semelhantes na Califórnia e no Arizona, a convite do Bureau of Reclamation.

Os respectivos estudos eram conduzidos pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento ¿ DNOS, depois absorvido pela Agência Nacional de Águas. Vimos a gestão de águas em seus diversos usos e transposições do Rio Colorado e das bacias do Central Valley.

Dificilmente a Califórnia teria virado o Estado mais rico dos EUA sem aqueles empreendimentos. Os benefícios das transposições são visíveis nos vinhedos do Napa Valley; na diversificada produção de frutas, verduras e legumes; nas áreas residenciais e nos campos de golfe de Palm Springs; e no turismo. Los Angeles não teria passado de um vilarejo sem a água transportada de uma distância superior a 700 km.

A transposição do São Francisco pode livrar o semi-árido da irregularidade das chuvas e perenizar importantes rios.

O projeto ajudará a desenvolver atividades que a experiência e as pesquisas mostraram ser viáveis e lucrativas, como a fruticultura, a aqüicultura, a ovinocaprinocultura, a apicultura e a produção de oleaginosas. O mesmo acontecerá no beneficiamento de riquezas minerais, no turismo (ecológico, esportivo e religioso) e na exploração do artesanato, como lembrou o governador do Ceará, Lúcio Alcântara (O Estado, 19/1/2004).

Está provado que se pode utilizar a água de forma responsável, sem danos ao meio ambiente ou prejuízos às áreas doadoras.

Outros aspectos igualmente relevantes do projeto são a contribuição para manter e expandir distritos industriais e, mais importante, garantir água para consumo humano. Cabe destacar o caso dramático do Recife, onde o abastecimento de água se tornará inviável sem a importação de regiões distantes.

Dos argumentos contrários levantados, apenas um me parece inteiramente procedente: a transposição reduzirá o potencial energético do sistema Norte-Nordeste. A perda pode, todavia, ser compensada por outras fontes e regiões.

Os benefícios do projeto suplantarão de longe esses e outros custos.

Os usuários ganharão com aumento da oferta hídrica e redução dos custos das tarifas. Gastar-se-á menos com as emergências das secas. A saúde pública melhorará com a menor incidência de doenças. E assim por diante.

Por resolução aprovada no último dia 17, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) reconheceu que há volume de água suficiente para integrar o São Francisco às bacias do semi-árido.

Os opositores foram ao Judiciário para invalidar a decisão e barrar outras ações vinculadas ao projeto. Além disso, teme-se pela batalha a ser travada com o Ibama, a quem cabe emitir o licenciamento ambiental.

Se essa corrida de obstáculos for vencida, as obras da transposição serão iniciadas em abril e concluídas em dois anos. O custo, estimado em R$ 4,5 bilhões, é relativamente pequeno diante das despesas totais da União e dos altos benefícios sociais e econômicos do projeto.

O semi-árido nordestino dificilmente se tornará tão rico quanto a Califórnia, mas a transposição do São Francisco pode reduzir dramaticamente o sofrimento de suas populações pobres e miseráveis, que são a maioria.A menos que o excessivo fervor ambientalista prevaleça.

Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)