Título: Nos céus, um governo sem direção
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2005, Economia, p. B13

Os acontecimentos da última semana - quebra da Vasp, propostas de estatização temporária para resolver os problemas da Varig e o fim do acordo de compartilhamento de vôos entre Varig e TAM - evidenciaram a falta de diretrizes claras do governo Lula para a aviação. Enquanto o governo Fernando Henrique Cardoso consolidou e sistematizou a abertura de mercado iniciada no governo Collor, a partir de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma posição conservadora, com intervenções pontuais."Este governo introduziu uma administração mais estrita, com controle de ofertas e de preços e uma desconfiança em relação aos benefícios da concorrência", diz a economista Lúcia Helena Salgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento. "Entretanto é cedo ainda para se ter clareza dos impactos das medidas."

A primeira medida do governo Lula foi patrocinar a fusão entre a Varig e a TAM, vista como a única saída para resolver a situação financeira imediata das duas empresas. O que aparentemente parecia uma solução de mercado tinha a intervenção clara do governo por trás. Como primeiro passo para a fusão, o governo autorizou as empresas a adotar uma política de vôos compartilhados (code-share), dividindo aeronaves e clientes em rotas e horários nos quais antes operavam separadamente.

Nos quase dois anos de vigência desses vôos, as empresas deram uma trégua na competição desenfreada e adequaram suas ofertas à realidade do mercado. Junto com políticas de redução de custos, reverteram prejuízos e voltaram a exibir resultados positivos.

Com a volta da saúde financeira das empresas, a fusão foi descartada. E quarta-feira, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinou o fim dos vôos compartilhados.

O projeto de fusão consumiu o primeiro ano do governo e acabou por ofuscar as resoluções do Conselho de Aviação Civil (Conac). Ele se reuniu em maio de 2003 e aprovou 17 resoluções que estabelecem as linhas mestras do marco regulatório. Em linhas gerais, postula que a oferta será definida pelo mercado, mas prevê a intervenção da autoridade, "segundo regras definidas".

Se no início o governo deu sinais de que estava disposto a pôr ordem na casa, até agora as resoluções não foram executadas. "O governo está focado nos problemas financeiros das empresas e não teve força para implementar as políticas gerais do setor", diz a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio.

Com a Vasp, o governo fez uma intervenção branca que, ainda que tardia, foi elogiada, pois a empresa dá sinais claros de inviabilidade operacional.

Na Varig, após o fracasso da fusão, o governo se mostra disposto a encontrar uma solução que resulte em seu fortalecimento.

Resta ainda ao governo lidar com a Transbrasil, que faliu deixando passageiros e credores na mão, sem contar com uma enorme dívida trabalhista. A empresa, que ensaia uma retomada de operações como cargueira, é presidida por Celso Cirpriani, que tem ligações estreitas com Ricardo Teixeira, amigo e compadre de Lula.

Uma das principais resoluções do Conac prevê a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O projeto, idealizado no governo FHC, foi defendido com modificações pelo atual e está tramitando no Senado. Segundo o relator do projeto na Comissão de Infra-Estrutura, Delcídio Amaral (PT-MS), a votação deve ser realizada até abril. "Depois volta para a Câmara e acredito que até o final do semestre será aprovado", diz. "Teremos uma agência civil, semelhante às demais agências reguladoras, com quadros e orçamento próprios."

A não implementação do marco regulatório abriu espaço para a divergência de opiniões dentro do próprio governo. Em meados de 2003, o BNDES, alinhado com a posição da Aeronáutica, resistente à Anac, divulgou uma proposta própria de marco regulatório ainda mais intervencionista. A resposta da Fazenda veio, sob a forma de um estudo do Ipea que apontava vantagens da livre concorrência para o consumidor.

Enquanto não se implementam as resoluções do Conac nem se cria a Anac, o governo tem regulado a oferta com portarias do DAC. Quando a Gol quis importar mais aviões, o DAC determinou que seria preciso pedir autorização para a ampliação de linhas - e o pedido de compra foi negado. Com as promoções agressivas de bilhetes da Gol, o DAC passou a obrigar empresas a apresentarem previamente as promoções antes de divulgá-las para evitar a concorrência predatória.

Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), George Ermakoff, o governo faz bem ao regular a oferta e estabelecer um controle tarifário. Segundo ele, a era FHC levou à competição desenfreada, com prejuízos para as empresas. O livre mercado, que funciona nos Estados Unidos, não funciona no País, acredita. "Lá existem 10 a 15 concorrentes nacionais e as empresas são controladas por acionistas. Não há demanda para tanta empresa no Brasil, com um mercado muito menor."

A liberação abriu mercado para novas empresas, como a Gol, e dificultou a concentração. Houve aumento da oferta de vôos e um crescimento anual de 9% no número de passageiros transportados por quilômetro.

Para a economista do Ipea, porém, o mercado só não é maior porque o governo dificulta a entrada de novas empresas. "O mercado está crescendo, há muita empresa querendo entrar, mas têm dificuldade em obter autorização", diz Lúcia.