Título: Juízes reagem a Jobim e querem ser intérpretes da justiça social
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2005, Nacional, p. A7

As fortes críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, que recomendou aos juízes que não ajam como "donos da Nação", provocaram ontem pesada reação da categoria, liderada pela Associação Paulista de Magistrados. "Os magistrados se colocam em posição filosófica diametralmente oposta à da presidência do Supremo e daqueles que empreitaram a reforma do Judiciário", afirmou o desembargador Celso Luiz Limongi, que preside a entidade dos juízes estaduais de São Paulo, a maior do País. Em nota de repúdio, Limongi diz que "enquanto alguns desejam juízes previsíveis, que se limitem ao simples cumprimento da lei, proibidos de pensar, meditar e interpretá-la, tal como se fossem seres inanimados, a magistratura paulista e nacional quer o juiz como verdadeiro intérprete da lei e da Constituição".

Ao discursar terça-feira ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na solenidade de abertura do ano Judiciário, o presidente do STF disse que a Justiça funciona como um "arquipélago de ilhas de pouca comunicação". Para Jobim, "há de um lado o problema estrutural e de outro a mesmice corporativa que passou a enxergar em cada esquina tramas diabólicas contra a magistratura".

Limongi assegurou que os juízes visam, em suas decisões, a "mitigar as desigualdades sociais, erradicar a pobreza e a marginalização e promover o bem de todos, de acordo com o artigo 3.º da Lei Maior". Afirmou que os juízes "estão, e sempre estiveram, ciosos de que são meros servidores da sociedade, para quem trabalham com honra, dedicação e sacrifícios".

"Não conheço juízes que julguem ser donos da Nação", protestou o desembargador Renzo Leonardi, do Tribunal de Justiça de São Paulo. "Jobim pode ter encontrado pessoas assim em outros Estados ou outros Poderes. O primeiro dever do juiz é com sua consciência e com o respeito à lei, aplicando-a em cada caso."

CONSCIÊNCIA

Grijalbo Coutinho, que dirige a Associação dos Juízes do Trabalho, sugeriu ao presidente do STF que "teria sido melhor se tivesse indicado de modo preciso quais são os segmentos ou setores aos quais se referiu, se pertencem à base ou à cúpula do Judiciário". E enfatizou: "Se ele (Jobim) quis dar um puxão de orelhas em alguém, que tivesse dado de forma mais clara."

Coutinho disse que sua classe não se sentiu atingida. "Todos devemos ter a consciência de que somos servidores. A grande maioria cumpre seus deveres com responsabilidade, preocupada com a Nação, não com a biografia. O compromisso dos juízes é com questões maiores."

Presidente da Associação dos Juízes Federais, Jorge Maurique disse concordar que os magistrados não podem ser donos da Nação. "É preciso combater a morosidade, as decisões judiciais não são o palco para biografias. Mas nunca fomos ou pretendemos ser donos. Durante um tempo, os donos foram os militares. Hoje são os conglomerados financeiros. Não me senti atingido porque nunca assumi essa postura. Sempre fomos extremamente republicanos."

Maurique anotou que "quando o Judiciário é acionado por qualquer cidadão deve, por determinação constitucional, apreciar o pedido e, mesmo que se trate de matérias afetas a políticas públicas, precisa se manifestar sobre sua legalidade."

Ele disse que "foi assim no caso dos cruzados bloqueados, da correção do FGTS e do fornecimento obrigatório de remédios para aidéticos, quando o Judiciário corrigiu falhas do governo que lesariam milhões de cidadãos".

Na contramão da toga, o advogado Jarbas Machioni, presidente da Comissão de Assuntos Institucionais da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, avalia que Jobim "foi muito feliz". "O Judiciário nunca teve tanto poder na história da República como agora. Se não tivermos cuidados e se não houver um controle efetivo, poderão ocorrer abusos, desvios e, o que é mais grave, tráfico de influência. Infelizmente, a nossa tradição é as pessoas confundirem o poder a serviço do povo com atributo pessoal. Ao invés de ser um servidor do poder, a pessoa acaba se utilizando do poder. Precisamos romper com isso, o poder não serve para beneficiar nin guém."