Título: Alerta na Antártida: 'O gigante despertou'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2005, Vida &, p. A12

O derretimento da densa camada de gelo que cobre a parte ocidental da Antártida pode elevar em quase 4,9 metros o nível dos oceanos, segundo os alarmantes prognósticos de uma equipe de cientistas britânicos, apresentados ontem durante uma conferência internacional sobre clima na cidade de Exeter. Os especialistas, do British Antarctic Survey (BAS), com sede em Cambridge, mostraram que estas massas de gelo - até agora consideradas estáveis - podem começar a se desintegrar rapidamente. É mais um alerta entre muitos sobre os efeitos do aquecimento global na Antártida e os reflexos que esses efeitos poderão ter no resto do planeta. A equipe do BAS mediu a densidade da camada de gelo e chegou à conclusão de que, anualmente, 250 metros cúbicos de água solidificada estão se soltando e caindo no mar, o que já está elevando o nível dos oceanos em 0,2 milímetro por ano. O professor Chris Rapley, diretor do projeto, falou aos especialistas reunidos em Exeter sobre a necessidade de rever o papel da Antártida no cenário de aquecimento global. Há quatro anos, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) desprezou os sinais de alarme nesse sentido. Para a Organização das Nações Unidas, a Antártida era apresentada como um "um gigante adormecido", coberto por uma capa de gelo tão dura que não começaria a derreter ainda por muitos séculos.

"Mas eu diria que o gigante despertou. Estamos muito preocupados", disse Rapley. Segundo ele, não é possível mais compartilhar do otimismo de estudos anteriores. Outras pesquisas recentes demonstram que o Ártico, também, está derretendo rapidamente.

O eventual colapso das calotas polares de gelo constituiria um desastre de proporções gigantescas, já que inundaria enormes áreas costeiras de países em desenvolvimento e desenvolvidos. A conferência de Exeter, que começou anteontem e reúne mais de 200 especialistas, é parte dos esforços do governo do Reino Unido para chamar a atenção do mundo para a questão da mudança climática, enquanto preside durante este ano o G-8 (grupo que reúne os países mais ricos e a Rússia).

O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, pôs a discussão das mudanças climáticas como prioridade e pediu aos cientistas na conferência que tentem determinar a partir de que momento o aquecimento global começará a ter conseqüências catastróficas.

CORRENTE DO GOLFO

Outra grande preocupação dos cientistas diz respeito à Corrente do Golfo, que leva águas quentes dos trópicos para o Reino Unido e norte da Europa. Segundo dados apresentados na conferência, o risco dessa corrente ser extinta nos próximos 200 anos por causa do acúmulo de água doce e fria nos oceanos (proveniente do degelo da Groenlândia e das calotas polares) já ultrapassa 50%. A interrupção seria catastrófica, com queda de temperatura superior a 10 ºC no norte do Atlântico.

Mike Schlesinger, do Grupo de Pesquisas Climáticas da Universidade de Illinois, disse que com um aumento de 3 ºC na temperatura global - o que está perfeitamente dentro das previsões atuais - a chance de interrupção da Corrente do Golfo seria de 45% até o final do século e de 70% até 2200. Alguns modelos climáticos, entretanto, levam a uma quebra total do fluxo a partir de um aumento de temperatura de apenas 2 ºC. "Isso é o que eu chamo de mudança climática perigosa", disse Schlesinger.

A corrente atualmente leva 1 bilhão de watts de calor dos trópicos para a costa britânica e a região do Ártico. Sem essa fonte de energia, a Grã-Bretanha sofreria uma queda de temperatura significativa, apesar da tendência global de aquecimento. Os cientistas acreditam que ela já esteja perdendo 10% de sua força, mas a possibilidade de um colapso total era considerada remota até agora.

BIODIVERSIDADE

O aquecimento global, caso não seja controlado, também poderá levar a uma extinção em massa de ecossistemas e espécies, incluindo desde sapos a leopardos. E quanto mais rápido a temperatura subir, pior a mortandade, alertam os cientistas, pois animais e plantas não terão tempo suficiente para se adaptarem.

Steve Schneider, da Universidade de Stanford, disse haver evidências claras de que as espécies já estão reagindo ao aquecimento de 0,7 ºC registrado ao longo dos últimos cem anos. "Isso é o primeiro alerta", disse o pesquisador. "Há uma ameaça direta à sobrevivência de muitas espécies." Com o colapso dos ecossistemas mais frágeis, alertam os cientistas, muitas não terão para onde fugir. Uma mudança de 2 ºC já colocaria muitos organismos em perigo.