Título: As lições das catástrofes
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2005, Espaço Aberto, p. A2

Pena que a comunicação brasileira tenha dado pouco destaque às discussões promovidas pela Unesco em Kobe, no Japão, há uns 20 dias, na tentativa não só de criar sistemas de alerta para maremotos e fenômenos climáticos intensos no Oceano Índico, como em outras áreas do planeta. O sistema de alerta para tsunamis no Índico funcionará já no ano que vem, ao custo de US$ 30 milhões e US$ 2 milhões anuais para manutenção - que significam 0,0005% dos US$ 60 bilhões que custaram os "desastres naturais" só em prejuízos materiais (sem falar em mortes) em 2003. As contas de 2004 provavelmente serão muito mais altas, com a tragédia de 26 de dezembro na Indonésia, na Tailândia e em outros países, onde morreram pelo menos 300 mil pessoas.

Na cidade japonesa (que já foi castigada por um terrível terremoto), o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, lançou o projeto de criação de uma inter-agência capaz de integrar informações e conhecimentos científicos de várias áreas e permitir que se enfrente melhor o drama das inundações no mundo. Essa inter-agência vai funcionar no Centro para Gerenciamento de Riscos e Desastres do Instituto Tsukuba, no Japão, que já é um centro de excelência em matéria de água.

Começa o mundo, assim, a caminhar rumo à "adaptação" às mudanças climáticas, necessidade tão enfatizada na reunião da respectiva conferência, em Buenos Aires, comentada neste espaço em dezembro último. Em Kobe, o subsecretário-geral para Assuntos Humanitários da ONU, Jan Egeland, propôs que 10% das verbas destinadas a socorrer vítimas desses desastres sejam aplicadas em sistemas de prevenção, pesquisas sobre como reduzir riscos, um banco internacional de dados e experiências. Ele alertou para o risco - que julga próximo - de catástrofes nas megacidades (mais de 10 milhões de habitantes) da Ásia, África e América Latina (o que inclui São Paulo e Cidade do México). Para o Grupo Munich Re, conceituado consultor na área de seguros, -.

Enquanto se realizava a conferência de Kobe, tínhamos, no Brasil, perto de 150 municípios gaúchos em estado de emergência por causa de seca. Em Vacaria, o maior produtor de maçã nesse mesmo Estado, as perdas chegavam a 40% das 180 mil toneladas previstas, com prejuízo de R$ 43 milhões. A quebra na safra de milho nos municípios castigados era de 40%; na safra de feijão, 15%.

Nos mesmos dias, dois tornados aconteciam em Criciúma (SC). No Nordeste, centenas de municípios decretavam estado de calamidade, por causa da seca. No Estado de São Paulo, Ribeirão Preto via cair 113 milímetros de chuvas em 24 horas. Em São Bernardo do Campo, foram 179,5 mm, quando a média do mês é de 248,4. Em Santos, choveu 168 mm. Em Campinas, 123,8 mm, próximos à média habitual de janeiro. Em Petrópolis (RJ), 130 mm (quase a média prevista para o mês). Em Nova Friburgo, 138 mm, o índice mais alto em dez anos. Em Minas Gerais, 12 cidades estavam sob emergência, três sob estado de calamidade. Tal como dez municípios do Amazonas, entre eles Manaus.

Convém relembrar um cálculo do professor Ladislau Dowbor, já mencionado aqui: se caírem 100 mm de chuva sobre os 1.500 quilômetros quadrados do Município de São Paulo, serão 150 milhões de toneladas de água. Com enorme dificuldade de escoamento, por causa da impermeabilização de quase todo o solo. Com alta probabilidade de graves problemas em mais de 600 áreas de risco já mapeadas pela Prefeitura.

Estão mais do que confirmadas as previsões do presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Rajendra Pashouri, em 2002, na cúpula de Johanesburgo. Ele disse ao autor destas linhas que o Brasil teria problemas cada vez maiores com inundações e secas, além de dificuldades no abastecimento de água das grandes cidades.

Estamos pouco preparados para isso, embora o representante brasileiro em Kobe tenha dito que já em julho próximo funcionará um sistema eficiente de previsão de desastres interligando centros do Instituto Nacional de Meteorologia, do MCT e do Ministério da Agricultura . Ainda que funcione, cabe lembrar que só temos corpo de bombeiros para atender a emergências em menos de 500 dos mais de 5.600 municípios brasileiros. De pouco dispomos em matéria de modelagem de clima.

Temos de correr. O presidente do Crea de Goiás, Francisco Silva Almeida, não tem dúvida de que o desmatamento, principalmente nas margens de rios, explica grande parte dos desmoronamentos de pontes e rompimentos de bueiros tubulares em rodovias. "Se continuarmos reduzindo a capacidade de absorção de água pelo solo", diz ele, "as tendência será de acidentes mais freqüentes e mais graves" (O Popular, 20/1). Técnicos da área no Estado de Goiás também não têm dúvida de que o grande volume de água em curto espaço de tempo tem sido o responsável por esse tipo de problema nas rodovias. E admitem que os métodos de cálculo de materiais e estruturas terá de ser revisto; não basta mais considerar séries históricas de chuvas, porque elas mudaram de intensidade e freqüência; em poucas horas cai uma quantidade de chuva que às vezes levava meses. Também terá de ser revisto o diâmetro de bueiros tubulares sob rodovias, assim como os seus materiais. Outros Estados precisam ter a mesma preocupação.

São muitas as áreas em que teremos de rever nossas práticas - agricultura, engenharia, planejamento urbano e manejo de recursos hídricos, entre outras. E é urgente a necessidade de desocupação das áreas de risco. A ciência já deu todos os avisos.