Título: A difícil saída do calote
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2005, Notas & Informações, p. A3

A primeira etapa do processo de reestruturação da dívida argentina terminou sem que houvesse motivo para comemoração por parte das autoridades. Na sexta-feira passada, o Ministério da Economia comunicou à Comissão de Valores da Itália, órgão regulador do sistema financeiro, que a troca de bônus feita desde o início da operação, no dia 14 de janeiro, correspondia a US$ 21,8 bilhões de um total de US$ 81,8 bilhões, ou a 26,6% dos papéis a serem trocados.

As autoridades argentinas esperavam uma grande adesão de investidores ao Bônus Par - cotas de até US$ 50 mil, especialmente lançadas para atender os pequenos investidores da Itália, Alemanha e Japão, sem desconto no valor nominal, mas com prazos mais longos e juros mais baixos -, mas isso não ocorreu. Houve reservas equivalentes a apenas 7% da emissão. Como o prazo de adesão ao Bônus Par, pelo sistema de cotas, se encerra neste final de semana, estima-se que os pequenos investidores - só na Itália seriam cerca de 450 mil portadores de títulos em moratória no valor de US$ 14,5 bilhões - estariam aguardando as decisões a serem tomadas pelos grandes credores, fundos de investimentos e consórcios, para resolver se trocam ou não os papéis em seu poder. Analistas do mercado, depois de observar que grande número de pequenos investidores europeus está vendendo seus títulos por 28% a 30% do valor de face para fundos de investimentos, estimam que estes estão aumentando seu poder de fogo para tentar obrigar o governo argentino a melhorar a oferta de reestruturação da dívida. De fato, vários administradores de fundos e consórcios já declararam que não aderirão ao programa de troca de bônus, esperando que, fracassada a operação, a Argentina ofereça melhores condições de pagamento, uma vez que a atual, em média, resulta num desconto de 75% do valor de face dos títulos e, considerados juros e prazos, num reembolso final entre 10% e 20%.

De fato, logo após o road show promovido pelas autoridades argentinas na Itália, apenas 1,4% dos credores locais aderiu ao programa de troca de títulos. E na primeira semana da operação, quando o volume de trocas atingiu 23,2% do valor reservado à reestruturação da dívida, US$ 18,04 bilhões haviam sido subscritos por credores argentinos. O sucesso do programa, portanto, depende do comportamento dos credores estrangeiros e a maioria deles já deixou claro que não aceita as condições impostas pelo governo argentino.

Diante das pesadas perdas que o plano de reestruturação impõe aos credores e da intransigência do governo Kirchner - condenada pelo FMI e pelos governos dos países europeus que reúnem o maior número de credores -, parte dos portadores de títulos, que há mais de três anos amargam as conseqüências da moratória, aposta na baixa adesão à troca de bônus. O FMI considera que o sucesso do programa seria medido pela adesão de cerca de 80% dos credores. As instituições financeiras se dariam por satisfeitas com 70%. Mas o governo argentino, que não pode ter exageradas expectativas, comemorará se obtiver a adesão de 50% dos credores. O objetivo dos principais blocos de credores é levar o plano argentino ao fracasso. Acreditam que só assim o governo do presidente Néstor Kirchner será obrigado a melhorar os termos da reestruturação. Nesse jogo, ganhará quem puder resistir por mais tempo. E o que incentiva os credores a deixar para o último momento a decisão sobre a troca de títulos é a expectativa de que, diante de um fiasco, o governo argentino tenha de fazer uma segunda rodada, com condições mais favoráveis. Se isso ocorrer, eles invocarão a cláusula de credor mais favorecido - explicitada no contrato de reestruturação - que outorga os benefícios da melhora também aos credores que aderiram ao plano na primeira rodada.

Mas cresce o número de pequenos credores que consideram inaceitável o prejuízo, quaisquer que sejam as condições da reestruturação. Pelo menos 2 mil deles já entraram com ações na Justiça italiana, responsabilizando os bancos que intermediaram a venda de títulos argentinos por não tê-los advertido dos riscos de calote. Pelo menos em cinco casos os bancos já foram condenados a ressarcir integralmente seus clientes.

O fato é que, qualquer que seja o resultado final da troca de títulos - que termina dia 25 -, a Argentina continuará sendo um pária no mercado financeiro internacional. Segundo os analistas mais otimistas, mesmo que a moratória termine nos melhores termos possíveis, a Argentina não conseguirá fazer captações no mercado internacional por, pelo menos, dez anos.