Título: Quando o exercício faz mal
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2005, Vida &, p. A12

A pessoa começa a se exercitar, descobre os benefícios da atividade física, orgulha-se das mudanças no corpo e quer fazer cada vez mais. Depois de um tempo, no entanto, o rendimento cai, o cansaço fica maior e os resultados não são tão aparentes. Sem entender, ela pensa que está relaxando e intensifica seu treinamento - aparecem as dores e lesões. O erro foi cometido e é chamado de overtraining, o desequilíbrio entre o treinamento e a recuperação. Uma síndrome antes restrita a atletas profissionais que atinge hoje os freqüentadores de academias e corredores amadores. O problema ocorre cada vez que o corpo é submetido a uma carga maior do que pode suportar. E os responsáveis, na maioria das vezes, estão na tríade formada por excesso de esporte, falta de descanso e alimentação inadequada. "Em busca de resultados rápidos ou, até mesmo, de objetivos muitas vezes impossíveis, há exagero nos exercícios. Somam-se a isso dietas restritivas e uma vida profissional e social intensas, na qual os períodos necessários de recuperação são quase sempre inadequados. Forma-se o quadro para o overtraining", afirma Fernando Torres, médico esportivo do Centro de Estudos de Fisiologia do Exercício da Unifesp e supervisor-geral da rede Fórmula Academia. E as vítimas da síndrome não são só pessoas que fazem exercícios intensos ou durante muito tempo. Justamente por ser resultado de um desequilíbrio entre a prática e o repouso que o corpo necessita para se recuperar, o overtraining varia de pessoa para pessoa. Depende do preparo físico, da idade, da estrutura fisiológica, do intervalo entre as atividades e da alimentação - além, é claro, do estado geral de saúde. Desse modo, nadar mil metros por dia pode ser muito pouco para uma pessoa e pode ser também um excesso para outra. Enquanto a primeira se sente bem e obtém resultados eficientes com os mil metros, a outra pode entrar num quadro de fadiga e apresentar lesões nos ombros, por exemplo. O mesmo vale para outros esportes. Correr 7 quilômetros pode ser suficiente para determinado grupo e ser um abuso para outro. Aí está um dos grandes erros cometidos por alguns professores e treinadores. "Mesmo grupos de corridas precisam fazer uma planilha de treino individualizada. Não adianta obrigar todo mundo a seguir o mesmo treino, porque cada corpo vai reagir de um jeito. Quando alguém não consegue, não é porque é preguiçoso, mas porque está indo além do seu limite", explica a médica do esporte Fernanda Lima, chefe do Ambulatório de Medicina Esportiva do Hospital das Clínicas e coordenadora médica da academia Bio Ritmo. RESPOSTAS Outro problema, segundo ela, é uma falsa sensação que o próprio corpo proporciona ao iniciar um esporte. Ou seja, o "fôlego" pode enganar o atleta. Isso porque o aparelho cardiovascular responde mais rápido do que o aparelho locomotor aos exercícios. "A pessoa sente que tem fôlego para fazer mais, mas o aparelho locomotor dela ainda não está adaptado para um aumento do exercício. Daí resultam as tendinites e lesões de todo tipo, principalmente nos joelhos e ombros. Algumas são graves e a pessoa precisa parar de praticar o esporte." Nos parques e dentro das academias, essa falsa sensação faz que muitos alunos desobedeçam aos professores e aumentem por conta própria seu treino. Caem em outro perigo, estimulando muitas vezes apenas um tipo de musculatura. "Não pode correr e depois fazer musculação nos membros inferiores no mesmo dia. Vai sobrecarregar e estressar as articulações e músculos daquela região", explica a personal trainer e triatleta Adriana Piacsek. "O mesmo vale para quem nunca correu e em três meses quer participar de maratona. Pode sentir que tem fôlego, mas está forçando demais o corpo." Mas, respeitando a individualidade, como evitar o overtraining? A primeira resposta dos médicos é simples: não durma menos do que está acostumado apenas para se exercitar mais. Além disso, reserve sempre um dia para descanso e respeite pelo menos 24 horas de intervalo entre as práticas. O corpo precisa descansar. Lembre-se também de que sentir dores por muito tempo não é comum. E, se for possível, passe por uma consulta médica e faça um exame de sangue e da capacidade cardiovascular para saber como está o estado de saúde geral e o sistema imunológico. "Exercício é uma das coisas mais saudáveis que existem, desde que feito de forma adequada", lembra Fernanda.